Opinião

Madrid, sol de inverno

28 jun 2025 16:07

Espanha prova que diabolizar vistos de trabalho é luxo que economias envelhecidas não podem pagar

Hoje respira-se uma rara confiança nas empresas espanholas. Enquanto Berlim calcula perdas industriais e Paris discute greves, José Manuel Entrecanales, da Acciona, proclama que «o futuro é brilhante». Os números confirmam já que em 2024 o PIB espanhol subiu 3,2% - quase quatro vezes a média da zona euro - e o IBEX-35 avançou 15%.

Nas ruas, esplanadas cheias e gruas em ação ilustram um vigor que escasseia a norte dos Pirenéus. O primeiro motor desse descolamento é elétrico. Em vinte anos, Espanha passou de importadora a produtora de 65 % da sua eletricidade por fontes renováveis, com meta de 80% em 2030.

O preço da energia desceu para níveis quase americanos, atraindo fábricas de chips, data centers e projetos de hidrogénio verde. A Sener, engenharia basca, queixa-se não de clientes, mas da falta de engenheiros para obras do Golfo à Califórnia.

O segundo pilar é demográfico. Graças à imigração hispanófona, a população cresceu quase três milhões desde 2013 sem convulsões políticas, rejuvenescendo a força de trabalho, estimulando o consumo e reforçando as pensões.

Espanha prova que diabolizar vistos de trabalho é luxo que economias envelhecidas não podem pagar. Nem tudo, porém, são tapas e flamenco. O boom turístico - 94 milhões de visitantes em 2024, rumo a 100 milhões - e a chegada de migrantes pressionam a habitação: 40 % dos inquilinos gastam mais de 40 % do rendimento em renda, e manifestações exigem «casas dignas já».

O investimento privado continua abaixo de 2019 e a produtividade avança apenas 0,2% ao ano. Burocracia regional e ziguezagues legislativos agravam esta situação. O Governo encurtou a semana de trabalho para 37,5 h sem perda salarial, enquanto a ampliação do aeroporto de Barcelona soma 15 anos de impasse.

Para Portugal, surgem três lições. Primeiro, a transição energética reduz a fatura elétrica se escalar produção e agilizar licenças. Segundo, imigração bem gerida é um antídoto para o inverno demográfico. Terceiro, quem hesitar verá investimento industrial rumar a Madrid.

O turismo, 13% do PIB (20% com efeitos indiretos), mostra que especialização não condena o progresso quando convive com bancos globais e PME exportadoras. Externamente, Pedro Sanchez diversificou parceiros e foi a Pequim procurar amortecer possíveis tarifas de um novo mandato Trump -risco menor para quem vende pouco aos EUA.

O «cisne cor-de-rosa» espanhol assenta em energia barata, mão-de-obra disponível e reformas laborais, uma receita que Portugal pode replicar se aproveitar o sol gratuito, abrir portas a quem queira trabalhar e confiar mais na iniciativa privada. Madrid ergue um farol na neblina continental, mas cabe-nos seguir a luz ou ficar à sombra do velho fado de que “isto por cá é diferente”. 

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990