O Sérgio, da Voga, e a defesa da beleza do comércio tradicional

Uma das memórias que mantenho fielmente guardada dentro de mim são os passeios que dava no inverno de mão dada com o meu avô nas frias ruas da cidade da Guarda. Lembro-me que no percurso existiam sempre as paragens obrigatórias nas lojas onde todos se conheciam, “Boa tarde Senhor Joaquim Vale…” era a frase que mais ouvia.

Uma das lojas que mais me marcou foi a “Loja dos Canotilhos” que tinha sempre um aquecedor a gás ligado e uma cadeirinha de madeira e verga ao lado para os clientes se aquecerem do forte frio que se sentia lá fora. O exercício de ir às compras era também um momento de convívio onde se partilhavam histórias passadas e onde se convivia entre amigos.

Com a chegada dos centros comerciais, a abertura das grandes lojas franchising e com as massivas compras online já são poucos aqueles que resistem em manter o comércio tradicional vivo e a trazer identidade aos centros da cidade.

Em Leiria, por agora, ainda temos alguns exemplos de espaços antigos que mantêm as suas portas abertas e resistem à transformação dos centros das cidades para um comércio cada vez mais impessoal.

Uma das pessoas que mantém estas boas práticas é o Sérgio, da Voga, uma loja de venda de roupa com mais de 50 anos de história. O Sérgio trabalha ali desde os 14 anos de idade e mantém um profissionalismo e uma alegria ímpar no nobre exercício da sua profissão. Trata todos os clientes pelo nome, sabe os tamanhos que cada um veste de cor e consegue sempre encontrar solução para “esquisitices” de cada um.

O Sérgio é um bom homem e acredito que isso também ajude a criarmos logo uma empatia com a sua personagem. Na última vez que o visitei pedi-lhe uma camisa com urgência (sou um péssimo cliente). O Sérgio já sabia que aquele produto pedido por mim teria que passar por uma costureira para ficar à medida. Garantiu-me que no dia seguinte o pedido estava pronto e que por isso eu poderia ficar descansado.

O Sérgio é um vendedor de mão cheia e eu um cliente distraído e por isso mesmo acabei por me esquecer de ir buscar a camisa na data combinada. Nesse mesmo dia recebo um telefonema ao fim do dia: “Olá Miguel, não te esqueças da camisa se precisares levo-te onde tu estiveres.” E assim foi!

O Sérgio salvou-me mais uma vez e mais uma vez também eu cheguei à conclusão que ele é um dos rostos da beleza que o comércio tradicional tem, um comércio de proximidade que se cruza na identidade de uma cidade.

Por essa mesma razão acredito que os autarcas deveriam premiar estas pessoas e as suas empresas que resistem e transformam os centros históricos em locais singulares e onde também se escrevem as histórias bonitas das cidades. 

Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990