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André Pereira, cineasta: “Não realizamos para nós, para a nossa família, nem para os nossos amigos”

25 fev 2016 00:00

No filme 'Otorrinolaringologista', teve como directora de fotografia Leonor Teles, que venceu, com o filme 'Balada de um Batráquio', o 'Urso de Ouro' na competição de curtas-metragens, do 'Festival Internacional de Cinema de Berlim', este fim-de-semana

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Jacinto Silva Duro

Dizer o título do seu último filme, Otorrinolaringologista, é tão difícil para crianças como para adultos?
Foi o meu projecto final de curso na Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha (ESAD.CR). Teve a produção da Uma Pedra no Sapato, uma produtora de Lisboa, onde estagiei, e da Vende-se Filmes. Curiosamente, na preparação do filme, tive de procurar uma criança para protagonista, o Simão, e percebi que ele tinha dificuldade em não escrever a palavra correctamente. A maior parte dos adultos que me fala do filme, tem maior dificuldade em dizer o nome da curta do que o Simão. Na turma dele, a maior parte das crianças sabia escrever e dizer “otorrinolaringologista”.

Mas a premissa de onde parte o filme é a dificuldade de uma criança de seis anos em dizer a palavra. O Simão divide a palavra para a dizer mais facilmente e começa pelo fim. Com a parte do “logista”.
Inspirei-me num episódio real que presenciei para a ideia por detrás do Otorrinolaringologista. Num jantar de turma, um professor levou o filho de seis anos e ele passou o tempo todo a tentar escrever a palavra no papel que cobria a mesa. O Simão da história, tenta fazer a mesma coisa num restaurante, no final da curta. Foi o ponto de partida, que desenvolvi com o jogo de palavras entre o que é um “logista” e um lojista. Na ESAD.CR, tínhamos uma cadeira de Guião onde nos incentivavam a apontar curiosidades num caderno curiosidades. Do mais simples acto à mais complexa situação do dia-a-dia. Para que, quando precisássemos de criar situações interessantes, nos pudéssemos inspirar. O episódio no jantar já tinha acontecido há uns anos, quando consultei o caderno de ideias, mas lá estava ele e resultou.

Otorrinolaringologista está a ser seleccionado para vários festivais de curtas-metragens, e vai passar no CLAP - Festival de Cinema de Carnide, mas esta não é a sua primeira aventura cinematográfica. Em 2015, já tinha vencido o cinAntrop - Festival Internacional de Cinema Etnográfico, de Leiria, com a curta O Casal. São estilos diferentes de narrativa?
Filmei o Otorrinolaringologista em 2014, mas só o estreei em Junho. O Casal, de 2013, que também filmei para a ESAD.CR, foi o primeiro filme mais “a sério” que fiz. O professor João Salaviza lançou-nos o desafio, na cadeira de Realização, de fazermos uma curta que partisse de um espaço que nos dissesse algo. Decidi fazer uma curta sobre o quotidiano dos meus avós. É um casal, a viver no Casal. É um documentário um pouco experimental, enquanto “Otorrino” é uma ficção de dez minutos, que sinto, tecnicamente está mais bem feito e que me deu mais prazer realizar. O filme passou pelo festival Curtas Vila do Conde, NAU - Festival de Cinema e Artes de Expressão Ibérica, Caminhos do Cinema Português e no programa Cinemax Curtas, da RTP2. Foi uma experiência nova para mim, poder trabalhar com uma equipa. A Filipa Reis, foi a minha produtora, e a Leonor Teles, que venceu o venceu o Urso deOuro na competição de curtas-metragens, do Festival Internacional de Cinema de Berlim, este fim-de-semana, foi a minha directora de fotografia. Também tinha uma assistente de produção… e pude concentrar-me apenas na realização. No Casal, fiz, praticamente, tudo sozinho em casa, até o microfone estava sozinho, num tripé, embora tenha tido a ajuda de um primo, com o som. Era um filme que me dizia muito, mas que eu tinha dificuldade em avaliá-lo, por ser tão pessoal. Pelos vistos resultou e ganhou o cinAntrop.

Por onde vai o Otorrinolaringologista agora?
Já o candidatei a mais festivais. Estou à espera do resultado da candidatura ao Leiria Film Fest e a produtora inscreveu- o numa extensão do Festival de Cannes. Não espero ser seleccionado, sendo um certame de grande importância, para mais, sendo um filme de universidade. Seja como for, o meu objectivo é que o filme seja exibido no maior número de salas possível. Também fico contente com a passagem pelo CLAP, uma vez que o júri é composto por pessoas como António-Pedro Vasconcelos, Ivo Canelas e Afonso Pimentel. Qualquer selecção, para mim, é já uma vitória. Participar é ganhar. Sei que parece aquela conversa que se diz aos miúdos de que o importante não é ganhar mas participar… mas aqui é mesmo isso.

Um jovem que ama o cinema e cresce entre Óbidos e Caldas da Rainha olha com mais admiração para António-Pedro Vasconcelos ou para Orson Welles?
Até entrar na ESAD.CR, olhava com mais admiração para António-Pedro Vasconcelos. Sempre gostei de cinema e televisão, mas quando comecei a estudar lá, mudei bastante a minha perspectiva de ver o cinema e as minhas referências também. Gosto ainda bastante de António-Pedro Vasconcelos e adoro Os gatos não têm vertigens e Amor impossível, o último dele. Ele é um bom exemplo de realizador que consegue pegar em histórias que fazem sentido e atrai pessoas ao cinema. É um cinema comercial mas não é “comercial” apenas para vender. Ele consegue contar boas histórias, bem realizadas e bem escritas. E, muitas vezes, não conseguimos conciliar ambas as coisas. Esse é um dos problemas do cinema português.

Perfil
Filmar com uma vencedora do Urso de Ouro

André Pereira, 23 anos, natural de Gaeiras, Óbidos, é um jovem realizador, autor de filmes como O Filho do Moleiro, A Senhora Vestida de Preto e o Casal. Com este último, venceu o Prémio António Campos 2015, para Melhor Curta-Metragem, no Festival cinAntrop, em Leiria. Com a sua mais recente curta, Otorrinolaringologista, passou já por alguns dos principais certames nacionais de curtas metragens. Curiosamente teve como directora de fotografia Leonor Teles, que venceu, com o filme Balada de um Batráquio, o Urso de Ouro na competição de curtas-metragens, do Festival Internacional de Cinema de Berlim, este fim-de-semana. “Otorrino” faz parte da lista de inscritos de uma extensão do Festival de Cannes. André estudou em Óbidos até terminar o secundário e, depois, passou a fazer diariamente o curto caminho entre a sua casa e a ESAD.CR, em Caldas da Rainha. “Fiquei mais perto de casa do que antes”, brinca. Fugiu da área das Ciências no secundário, para abraçar Cinema e Televisão no ensino superior. Estudou com João Salaviza, Carlos Braga e Mónica Santana Baptista e acabou a licenciatura com 18 valores, a mesma nota que obteve com o filme Otorrinolaringologista. Neste momento, está a fazer um estágio profissional, como assistente de Produção, na Onsetlab, no Parque Tecnológico de Óbidos.

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