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Coisa Nossa: as andorinhas de Bordallo Pinheiro

12 fev 2020 15:01

Lembra “o ninho” e, ao mesmo tempo, fala de pessoas “com voos altos” e “espírito aventureiro”

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Em Caldas da Rainha há uma fábrica com 135 anos que continua a voar nas asas do talento de Raphael Bordallo Pinheiro
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Em Caldas da Rainha, há uma fábrica com 135 anos que continua a voar nas asas do talento de Raphael Bordallo Pinheiro. A marca recentemente integrada no grupo Vista Alegre atravessa um período de enorme reconhecimento, incluindo no estrangeiro, onde clientes de vários países estão a descobrir a forte personalidade dos bichos produzidos em cerâmica no distrito de Leiria. Entre eles, as célebres andorinhas, a que os turistas, mas também os portugueses, dificilmente resistem.

Para a directora artística da Bordallo Pinheiro, a andorinha é uma criação “cheia de simbolismo”, em que se cruzam “a emigração” e “a fidelidade”. Dois movimentos contrários, à primeira vista, que são compatíveis, há décadas, ou mesmo, séculos, na alma dos portugueses espalhados pelo mundo.

“Um povo que vai, mas que volta, que tem sempre raízes”, explica Elsa Rebelo.

A andorinha, que sai à procura de calor e regressa na Primavera ao lugar de origem, lembra “o ninho” e, ao mesmo tempo, fala de pessoas “com voos altos” e “espírito aventureiro”. Fala de amor, lealdade, lar e família, “valores profundamente enraizados na cultura portuguesa”.

De acordo com a empresa, Raphael Bordallo Pinheiro registou a patente em 1896.

No contexto do “universo naturalista” que transportou para a cerâmica, um reflexo do amor pelo País e pela tradição, o artista natural de Lisboa “escolhia animais que pudessem passar uma mensagem”, acrescenta Elsa Rebelo, ela própria ceramista, natural de Caldas da Rainha.

Era um homem da caricatura, que passou pelo teatro. Um criativo em que tudo é expressão e nada é discreto, capaz de imaginar um boneco, o Zé Povinho, com carisma suficiente para representar a Nação.

Também a andorinha, de asas longas e pontiagudas, ascende, com o tempo, a símbolo português, num voo repetido entre saudade e romantismo, que Raphael percebe e alimenta. E que se prolonga durante o século XX.

Do fado cantado por Amália Rodrigues com poema original de Vasco de Lima Couto (Ponho as mãos sobre o teu corpo / E, no instante de sonhar, / Se o teu amor me encaminha, / A manhã é uma andorinha / Que se lembrou de ficar) ao tema A Andorinha da Primavera, de Madredeus, com a voz inconfundível de Teresa Salgueiro (Andorinha de asa negra aonde vais? / que andas a voar tão alta / Leva-me ao céu contigo, vá / Qu’eu lá de cima digo adeus ao meu amor).

Bordallo Pinheiro desenhou e produziu quatro modelos de andorinhas, “com algumas diferenças de movimento e tamanhos”, de modo a que “fosse mais artística e criativa a sua instalação na parede”, refere Elsa Rebelo.

São objectos em faiança, pintados à mão, com vidrados cerâmicos. Estão à venda online, no site da marca, por valores entre 9 e 19 euros.

Publicado, originalmente, na edição 1850 do JORNAL DE LEIRIA, de 26 de Dezembro de 2019