Sociedade

“Eles vão cuidar de ti”

23 dez 2015 00:00

David Duarte era um antigo estudante da Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha, do Instituto Politécnico de Leiria.

eles-vao-cuidar-de-ti-2717

A informação foi avançada pelo Instituto Politécnico de Leiria (IPL), na sua página de Facebook dedicada a antigos alunos da instituição de ensino.

O jovem de 29 anos, natural do Cartaxo, foi notícia nos últimos dias por ter morrido na madrugada de 13 para 14 de Dezembro (de domingo para segunda-feira) no Hospital de São José, em Lisboa, porque a equipa médica que o poderia salvar recusa trabalhar ao fim de semana pelo valor que o Estado paga.

Segundo a edição online de hoje do jornal Público, Teresa Sustelo, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central, a que pertence o Hospital de São José, apresentou ontem, terça-feira, a demissão.

Na decisão, foi acompanhada pelo presidente da Administração Regional de Saúde e Vale do Tejo, Luís Cunha Ribeiro, e o presidente do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, Carlos Neves Martins, que também abandonaram os seus cargos.

“Nos últimos anos, com os cortes que tivemos na área da saúde, estes hospitais não tiveram a possibilidade de ter recursos humanos para dar resposta a situações de doentes como este”, explicou em conferência de imprensa Luís Cunha Ribeiro.

O responsável da ARS de Lisboa garantiu que já encontraram com a tutela uma solução e que agora ambos os centros hospitalares passam a conseguir tratar estes casos, independentemente da hora ou dia da semana.

Segundo adiantou o Correio da Manhã, ontem, David Duarte, deu entrada no Hospital de Santarém no dia 11 de Dezembro, sexta-feira, com dores de cabeça e paralisado do lado direito do corpo.

Após o diagnóstico de uma hemorragia cerebral na sequência de um aneurisma, foi transferido para o Hospital de São José, em Lisboa, com a indicação de que deveria ser operado de imediato.

No entanto, como a equipa de neurocirurgia vascular com capacidade para operar este tipo de casos deixou de integrar a prevenção feita aos fins-de-semana, o doente teve de esperar até segunda-feira.

A situação agravou-se e acabou por não resistir às sequelas. Morreu na madrugada de domingo.

Leia as palavras que a namorada, Elodie Almeida, de 25 anos, não conseguiu contar, de viva voz ao Expresso, sobre o sucedido, tendo preferido escrevê-las. A jovem estava com ele quando surgiram os primeiros sintomas:

Na sexta-feira, dia 11 de Dezembro, em pânico, liguei para o 112 por volta das 14:30 horas.

O David ficou paralisado do lado direito, sem conseguir formular frases. Tentava falar mas era incapaz, apenas conseguia gritar e chorar. A ambulância chegou, o David estava consciente e ciente daquilo que lhe pediam e perguntavam, porém, continuava sem conseguir expressar-se.

Ajudaram-no a vestir-se e a calçar-se, colocando-o de seguida numa cadeira de rodas, visto que não tinha força na perna direita.

Fui com eles na ambulância. O David chegou ao Hospital de Santarém e foi logo colocado em observação. Fizeram-lhe exames, enquanto aguardei.

Após 30 a 45 minutos de espera, deixaram-me vê-lo. O David dormia mas por vezes abria os olhos. Estava muito agitado. O médico acordou-o e pediu-lhe para levantar os braços e ele conseguiu levantar apenas o braço esquerdo.

Pediu-lhe para levantar as pernas e ele conseguiu levantar a esquerda e, muito lentamente, levantou a direita. Estava consciente. Pouco tempo depois, fui chamada, eu e a avó materna do David, que se encontrava no hospital por outros motivos.

Anunciaram-nos, numa sala à parte, que o David tinha tido uma hemorragia cerebral e um grande hematoma e teria de ser transferido de urgência para o Hospital de São José, em Lisboa. Apenas tive tempo de lhe dar um beijo. Ele abriu os olhos e eu disse-lhe: “Eles vão cuidar de ti.” Foi de imediato transferido pelo INEM, penso que seriam cerca de 18 horas.

Esperei umas horas pelo meu pai, que veio de Coimbra buscar-me para seguirmos para o Hospital de São José. Chegámos por volta das 22h, penso eu. Pedimos informações, procurámos o edifício que nos referiram, porém estava fechado. 

Apareceu uma enfermeira, que gentilmente nos fez entrar e aguardar pela médica. Esperámos cerca de uma hora. No final, foram dois médicos que se reuniram connosco numa sala.

Estávamos presente eu, o meu pai, Fernando, e a Sra. Zélia, mãe do David, que fomos buscar a Vila Chã de Ourique no caminho para o Hospital de São José.

Ali anunciaram-nos, descontraidamente, que se tratava da ruptura de um aneurisma, que o sangue se espalhou pelo cérebro e que, geralmente, estes casos de urgência teriam de ser tratados de imediato, ou seja, o doente teria de ser logo operado.

Mas como os médicos referiram, infelizmente calhou ser numa sexta-feira, logo não iria haver equipa de neuro-cirurgiões durante o fim de semana. O David teria de aguardar até segunda para ser operado.

Deram-me a entender que o sangue espalhado pelo cérebro poderia, muito provavelmente, causar sequelas e posteriormente múltiplos AVC.

No sábado, dia 12, visto que a família mais próxima do David decidiu visitá-lo, estando eu em Coimbra, decidi ficar, ligando constantemente para o hospital para pedir informações (raramente era atendida ou pediam para ligar mais tarde).

Pedi ao Sr. José, tio do David, para pedir informações junto às enfermeiras ou aos médicos, pois queria saber se existia a hipótese de o David ser transferido para outro hospital, de forma a ser operado o mais rapidamente possível. Pelo que entendi, a melhor opção era sem dúvida o Hospital São José e não seria apropriado transferi-lo.

Nesse mesmo dia, a mãe do David referiu que ele abria os olhos, levantava os ombros e sentia frio nas pernas, tendo tido a iniciativa de se tapar com o lençol, apesar de as enfermeiras terem informado que não estaria consciente, que não iria reconhecer-nos e que estava demasiado confuso e perturbado. Visitei o David no domingo, dia 13, e ele estava em coma induzido.

Disseram-me que o caso se tinha agravado, que ele vomitou durante a noite, que começou a fazer demasiado esforço para respirar e que o coma induzido seria uma forma de ele não permanecer agitado e de o ajudar a respirar, de modo também a prepará-lo para a cirurgia de segunda-feira de manhã.

Anunciaram-me que a sorte dele era ser novo, mas que o grande problema era o sangue espalhado pelo cérebro, que poderia provocar sequelas e outras complicações. Porém, algo de bom aconteceu.

Segundo o médico, criou-se um coágulo de sangue que permitiu “fechar” a veia, mantendo o sangue a circular dentro da mesma e permitindo que ele ficasse calmo e que a veia não voltasse a rebentar.

A operação consistia na remoção do hematoma e desse coágulo, selando a veia através de um “clipe” e eliminado definitivamente o aneurisma. 

Por outro lado, o meu pai falou com outra médica, que confirmou que a operação seria no dia seguinte de manhã e que seria melhor aguardarmos 48 horas antes de visitar o paciente, para não ficar perturbado.

No dia seguinte, segunda-feira dia 14, liguei várias vezes, querendo saber como tinha corrido a operação. No momento em que atenderam, por volta das 14:30 horas, disseram-me simplesmente que não tinha sido realizada e que seria melhor deslocar-me ao Hospital São José, sem acrescentarem mais informações.

Eu própria tive de informar a mãe do David, visto que ninguém do hospital nos telefonou.  Mais uma vez, fomos de Coimbra até Vila Chã de Ourique buscar a mãe do David.

Chegámos ao Hospital de São José e aí anunciaram-mos que o David tinha tido morte cerebral e que seria irreversível. Não me deram mais detalhes. Completaram esta grave notícia, anunciando que no mesmo dia ou no dia seguinte ele seria operado para a doação de alguns dos seus órgãos.

O funeral de David Duarte realizou-se no dia 17 de Dezembro de 2015, quinta-feira.