Sociedade

Ensino profissional em mudança mantém aposta na internacionalização

25 jun 2025 12:09

Experiências proporcionam o desenvolvimento de competências técnicas, pessoais e culturais para o mercado de trabalho

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Ensino profissional aposta na internacionalização
Ricardo Graça/Arquivo
Claúdia Gameiro

A atravessar uma fase de transformação com a inteligência artificial e as novas necessidades do mercado de trabalho, as escolas profissionais ainda identificam nos seus programas internacionais uma ferramenta para atrair alunos. 

As escolas contactadas pelo JORNAL DE LEIRIA têm vários programas de progressão de estudos além-fronteiras e reconhecem as vantagens para a capacitação profissional dos alunos. 

Apesar de ter mantido os seus estágios, a INSIGNARE – Associação de Ensino e Formação, que engloba a Escola de Hotelaria de Fátima e a Escola Profissional de Ourém, admite que a reformulação do programa Erasmus+ para 2021-2027, com alterações ao respectivo financiamento, afectou a mobilidade dos estudantes. 

A possibilidade de completar a formação no estrangeiro continua a ser, porém, uma faceta que marca a identidade desta instituição, envolvida em projectos de internacionalização de diversa ordem e amplitude há décadas. 

Para Pedro Major, director executivo da INSIGNARE, “algo que nos distingue local e regionalmente é a equiparação temporal entre a Formação em Contexto de Trabalho realizada em território nacional e a que é desenvolvida em múltiplas cidades europeias (Alemanha, Espanha, França e Itália, para citar as mais recentes)”. 

Conforme explica, “as famílias e os futuros alunos que nos procuram sabem que se podem candidatar, aquando dos seus segundo e terceiro anos nas Escolas, a uma experiência internacional de duração igual à que os seus colegas terão em empresas nacionais – 45 e 65 dias, respectivamente, a qual é integralmente financiada pela Comissão Europeia, não carecendo por isso de comparticipação das famílias”. 

“Estas mobilidades, ao invés das existentes noutras instituições de ensino, mais curtas, permitem aos nossos alunos desenvolver, de forma mais completa e integrada, as suas competências pessoais, sociais, técnicas e culturais”, continua. 

Os programas de internacionalização são uma “parte interessante da capacidade de atracção do Ensino Profissional, sendo uma relevante ferramenta para o aumento da percentagem de alunos que o frequentam”, admite. 

Para além do Erasmus +, a instituição mantém diversas “parcerias estratégicas” com outras escolas profissionais e organizações europeias. “Neste momento, somos parceiros do InterVET, sobre a internacionalização do Ensino Profissional”, adianta Pedro Major. 

A INSIGNARE integra ainda consórcios internacionais, nomeadamente na área da capacitação do Ensino Profissional no Cáucaso (ELE_VET) e na Rede Jean Monnet para Escolas Profissionais. 

Neste último, coordena o projecto EURO4VET, um empreendimento que engloba seis países e o Instituto Politécnico de Leiria para o incremento da cidadania europeia em docentes e alunos do ensino profissional. 

Segundo Pedro Major, cerca de 10% dos alunos da INSIGNARE participam em estágios internacionais, nas respectivas áreas de formação e em empresas “de elevada reputação e notoriedade, que lhes têm permitido acrescentar experiências e currículo, para além da implementação do que aprendem nas Escolas”. 

No geral, refere, trata-se de “dar mundo aos nossos alunos”. “Consideramos que é uma forma dinâmica de aprendizagem, em que os alunos são colocados à prova em situações do mundo real e do mundo global, contactando com os mais recentes processos e tecnologias à escala europeia”, explica. 

O impacto tem sido “muito positivo”, frisa. “Este tipo de mobilidades proporciona quer aos alunos quer aos professores experiências que enriquecem o desenvolvimento pessoal e profissional, promovendo a aprendizagem de novas culturas, o desenvolvimento de competências e a criação de redes internacionais. 

Tanto alunos como docentes recomendam vivamente a participação neste tipo de programas”, sublinha. 

A INSIGNARE encontra-se ainda envolvida num outro projecto, financiado pela Comissão Europeia, cujo objectivo é a partilha de conhecimento na área da educação e formação. 

Neste caso, trata-se de troca de know-how entre escolas europeias e países africanos, por forma a melhorar o respectivo sistema de formação profissional. 

Na Escola Profissional e Artística da Marinha Grande (EPAMG) o espírito é semelhante. 

Na perspectiva da directora pedagógica, Patrícia Rosa, “sentimos que há pouca ‘vontade’ das escolas de ‘libertarem’ os seus alunos e de fazerem uma orientação vocacional isenta”, ou seja, “que não se restrinja à oferta que essas escolas oferecem”. 

O “ensino profissional é nas escolas profissionais que têm o know-how, a experiência de, no caso da EPAMG, 34 anos”, comenta. 

Neste sentido, os programas de internacionalização serão sempre “um estímulo para a atracção dos alunos que a nossa escola pretende formar”. 

Integrando os projectos Erasmus + desde 2022, os alunos da EPAMG têm realizado estágios em países como Espanha, Itália, Irlanda, Alemanha e Malta. 

“Os alunos têm realizado parte da sua Formação em Contexto de Trabalho nestes países e os docentes e não-docentes têm realizado inúmeras actividades de Job-shadowing, acompanhamento de alunos, visitas preparatórias e cursos de formação na Europa”, explica a responsável. 

A escola possui também uma parceria com uma empresa de animação turística sediada nas ilhas gregas e nas ilhas espanholas, que coloca, anualmente, os alunos do curso de Técnico de Turismo a realizar a sua formação em contexto de trabalho nestes destinos. 

Já o curso de Animador Sociocultural beneficia actualmente de um projecto a decorrer com o Talland College, nos Países Baixos, na criação de peças teatrais inclusivas, que são trabalhadas em ambos os países. 

“No processo, há várias reuniões online para os alunos dos diferentes países se conhecerem e interagirem, melhorando também as suas competências pessoais e linguísticas”, explica a directora. 

Em desenvolvimento está também um projecto com uma escola madrilena, envolvendo o curso de Técnico de Comunicação, Marketing, Relações Públicas e Publicidade para a elaboração de planos de marketing. 

“Este projecto culminará com a mobilidade de alunos para as diferentes escolas para troca e partilha de experiências”, garante a docente. 

Mais de 10% dos alunos e algumas dezenas de docentes e não-docentes estão envolvidos anualmente nestes programas. 

“Tentamos que todos os alunos dos cursos do Ensino Profissional da nossa escola tenham acesso a estes projectos, pelo que quando abrimos os processos de candidaturas para os estágios internacionais, as vagas são para os alunos de todos os cursos”, sublinha. 

“Ganhar asas para voar” é a grande mais-valia, considera a directora. “Mais do que conhecer uma nova realidade empresarial/institucional, dá-lhes a oportunidade de abrirem os seus pequenos ‘mundos’ para o grande ‘mundo’ que os espera na vida adulta”, reflecte. 

A internacionalização, continua, “permite-lhes descobrir novas realidades e contactar com a cultura e diversidade europeia”. 

O impacto é intenso. “Excelente! Maravilhoso! Cresci imenso!” são algumas das expressões que ouvimos dos participantes”, adianta Patrícia Rosa. 

Em consequência, tem-se notado o aumento da autonomia e responsabilidade dos estudantes, assim como o desenvolvimento de diferentes soft-skills necessárias ao mundo do trabalho. 

A EPAMG tem uma candidatura em curso ao Erasmus+ no âmbito da Educação e Formação de Adultos. 

Há ainda o objectivo de estabelecer mais parcerias com escolas europeias e desenvolver projectos direccionados a cada curso leccionado na instituição. 

Apesar de também apostar nos programas internacionais, da parte da Escola Profissional da Nazaré (EPN) surge uma maior relativização da sua atractividade para o ensino profissional. 

Conforme constata Joaquim Paulo, director do curso de Comunicação Digital da EPN, “o programa Erasmus + é transversal ao ensino regular e profissional, pelo que a questão de ser um estímulo para atrair alunos para o profissional não me parece ter sentido”. 

A viver “uma fase de transformação e adaptação à realidade do mercado de trabalho”, o ensino profissional tem antes que saber dar resposta às necessidades emergentes, considera. 

“Dou um exemplo: no próximo ano lectivo vamos fazer evoluir o nosso curso de Comunicação Digital para Multimédia, porque sentimos que é isso que as empresas e instituições necessitam e que, além disso, os alunos também procuram”, explica. 

Na EPN, as mobilidades patrocinadas pelo Erasmus+ convivem com diversos intercâmbios com escolas europeias, desde alunos a professores. 

“No meu caso, enquanto coordenador de Erasmus da escola, tive a possibilidade de participar num curso de formação na Teacher Academy da Europass, em Helsínquia (Finlândia). A formação, com duração de uma semana, focou-se na crescente importância da digitalização e da aplicação da inteligência artificial no ensino. Intitulado Pathways to become Digitally Competent Educators, este curso reuniu professores de Portugal, Espanha, França, Alemanha, Polónia, Itália e Lituânia”, refere Joaquim Paulo. 

Ainda este ano, oito alunos da escola vão estar um mês em Rovigo (Itália), nas áreas de Cozinha e Pastelaria, Desporto, Mecatrónica e Comunicação Digital. 

“Olho para este tipo de programas como uma grande oportunidade de dar ‘mundo’ aos nossos alunos, de lhes proporcionar o contacto com outras realidades, culturas e línguas”, adianta. “O Erasmus serve para abrir os horizontes aos jovens e muitos deles voltam desta experiência internacional com outra postura e outras ambições pessoais e profissionais”, refere. 

Como nas restantes escolas, o impacto das viagens é bastante positivo. Segundo Joaquim Paulo, “há alunos que nunca andaram de avião ou viajaram pouco e que voltam transfigurados para melhor. 

O facto de, durante um mês, estarem fora da zona de conforto e terem de ser responsáveis pelas tarefas de casa, pela gestão financeira da bolsa que lhes é atribuída, pela possibilidade de conhecerem um outro país e tomar contacto com o contexto profissional noutro país é extraordinário nesta fase da vida deles”, constata. A EPN refere manter-se atenta a novos programas e projectos que surjam.