Abertura
Fontes públicas continuam a matar a sede à população
Água | Até ao último quartel do século XX, a ida à fonte era um ritual diário que até servia para saber novidades. Hoje, a água é canalizada e analisada, mas ainda há quem prefira a do fontanário
Hoje, a água flui, canalizada nas torneiras dos lares e as fontes perderam o seu papel.
Mesmo assim, ainda há quem as prefira para se abastecer de água para beber, apesar de, a propósito do Dia Nacional da Água, que se celebrou no dia 1 deste mês, a associação ambientalista Zero alertar para a “poluição generalizada que ameaça a água que bebemos”.
Na região, nas aldeias, a maioria das fontes estão vazias de povo e secas de água.
Servem como testemunho de tempos onde a população se juntava na fonte à conversa e que fazem parte da identidade local.
É certo que a água canalizada, que corre na torneira em casa, é mais prática, do que a ida à fonte. Não obstante, há quem prefira a peregrinação mensal para abastecer nesta ou naquela bica que o boca-a-boca garante ser de qualidade, livre de substâncias que purificam a água, mas que lhe dão "cheiro" à saída da torneira.
Tiago Santos está rodeado de garrafões de várias marcas. Enche-os na Fonte das Sete Bicas, a poucos metros da Fonte do Povo, na aldeia da Mata, na freguesia da Urqueira, concelho de Ourém.
Tem 32 anos e é empregado de loja. Veio acompanhado pela mulher, Sara, 30 anos, empregada numa garrafeira. Dizem que preferem a ida à fonte para garantir a água de cada dia.
No largo criado para servir quem ali se desloca para se abastecer no furo da junta de freguesia, há um corrupio de carros que chegam e partem carregados de garrafões. O ritual faz-se ao domingo à tarde, quando há mais disponibilidade.
“É mais saudável. Não tem cloro e sabe melhor”, asseguram.
Sara explica que é um hábito adquirido com os pais, que também usam aquela fonte para armazenar a água consumida à mesa.
A Junta de Freguesia da Urqueira garante que a água é testada e os resultados dos parâmetros são afixados para consulta pública no largo.
Desta vez, trouxeram “uns 30 garrafões”, que irão armazenar na garagem, protegidos da luz com uma manta por cima, de modo a evitar o eventual aparecimento de “verdete”.
Ao lado, na terceira bica da fonte, Carlos Simões, 69 anos, tez bronzeada e mãos fortes, carrega quatro garrafões para a mala do carro. Tem o hábito mensal de ir à fonte, porém, normalmente, vai a outra nos arredores de casa, na Mata do Fárrio.
“Hoje, calhou vir aqui. Vivo no estrangeiro, na região de Paris, e lá, compro, garrafões de água. Aqui, aproveito as fontes. Lá não as há assim, só no campo.”
Já Maria Alice, 52 anos, doméstica e cuidadora informal, trouxe a família para ajudar a encher e a carregar os garrafões. Fizeram cerca de 16 quilómetros até à fonte na Mata. Há cerca de dez anos, antes de fazerem aqui as obras comecei a vir à Fonte do Povo, aqui ao lado.”
A ausência de sabor e a leveza são também as qualidades que a fazem preferir esta água.
A abastecer-se nas duas últimas bicas da fonte está Maria Felizardo Francisco, 74 anos.
Fermosa, segura, de riso na voz e tirada rápida nas respostas, diz que a ida à fonte lhe permite poupar dinheiro.
“Venho da Albergaria dos Doze. Vir à fonte é como fazer uma viagem no tempo. O meu marido, que fazia terraplanagens, é que ficou a saber desta fonte e, a partir daí, comecei a vir abastecer-me aqui. Antes, íamos às Mendrincas, perto de Santiais. Já fez 11 anos que ele morreu...”
Quantos garrafões leva? “Todos os que couberem no cofre do carro!” A filha, Edite, refreia-lhe o entusiasmo e esclarece que, hoje, levam 20.
Profissional da área dos seguros, a viver na Figueira da Foz, também é adepta da tradição das idas à fonte. “Ao fim-de-semana, quando venho de visita, proveito!”
Neste domingo de sol, só há uma coisa que deixa mãe e filha desiludidas. “A senhora dos tremoços que costuma estar aqui, não veio. É pena!”, brinca Maria Felizardo.
“Há 50 anos, a água era toda boa”
As fontes públicas com água potável são cada vez menos. Segundo a Zero, a poluição difusa, provocada pela agricultura, pecuária e efluentes domésticos, contamina os aquíferos superficiais e impede que sejam utilizadas.
“Cerca de 79% dos aquíferos existentes apresentam pontos de água com concentrações de nitratos e/ou azoto amoniacal acima dos valores máximos”, sublinha a associação.
“Há 50 anos, a água era toda boa. Porquê? Porque não se fazia análises. Agora, os critérios da saúde pública obrigam a que sejam realizadas e afixadas. Actualmente, há muitas juntas que preferem deixar degradar as fontes e retirar as bicas, porque não se consegue garantir a qualidade da água superficial”, admite o presidente da Junta de Carnide, no c
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