Economia

Joaquim Pocinho, presidente da Associação dos Transitários de Portugal: “Digitalização, escala, integração vertical das cadeias de valor e comércio electrónico são os pilares que podem assegurar o futuro dos transitários”

16 jun 2024 09:00

"Quanto ao aeroporto, levámos 50 anos a decidir a sua localização. Agora que está decidido, que se construa! E, acima de tudo, que se construa a pensar também num hub logístico para as cargas aéreas"

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Joaquim Pocinho
DR
Jacinto Silva Duro

Segundo o Banco de Portugal, o nosso País registou um aumento nas exportações de bens e serviços de Janeiro a Novembro de 2023, face ao mesmo período de 2022. Segundo esta instituição, houve um excedente na balança comercial portuguesa de 3.970 milhões de euros. Uma vez que são os associados da Associação dos Transitários de Portugal (APAT) que possibilitam grande parte das exportações portuguesas, qual é o vosso papel específico no desenvolvimento da economia nacional?

De uma forma muito simples, diria que as exportações e importações, na realidade todo o comércio externo, passa pelas mãos dos transitários. As exportações portuguesas atingiram praticamente “Digitalização, escala, integração vertical das cadeias de valor e comércio electrónico são os pilares que podem assegurar o futuro dos transitários” Joaquim Pocinho, presidente da Associação dos Transitários de Portugal (APAT) 50% do PIB nacional e é um desígnio de Portugal atingir rapidamente os 60%. Como conhecedores profundos do mercado e dos seus factores, seremos obviamente parceiros dos nossos associados para chegar de forma eficaz à meta dos 60%. Podemos dizer com grande certeza de que tudo o que passa a fronteira fá-lo pelas mãos de um transitário. Nós somos os parceiros fundamentais do sector exportador. Com a experiência, capacidade de planeamento de transportes multimodais, somos fundamentais para a competitividade das nossas exportações.

Como poderiam o Estado e o actual Governo contribuir para aumentar a competitividade nacional? Na sua tomada de posse, mencionou “um ambiente mais amigável para as empresas”, e ainda de “taxas, autorizações e processos burocráticos que retiram competitividade”...

A APAT nunca defendeu facilitação, sempre defendemos agilização dos processos e dos procedimentos. A grande quantidade de taxas, burocracias, interpretações das leis e códigos, a lentidão da Justiça, a falta de agilidade das entidades fiscalizadoras, entre outros motivos, muitas vezes, causam entropia no sistema logístico nacional, que o torna pouco competitivo. Acredito que é fundamental diminuirmos os custos de contexto, que retiram competitividade externa ao País e agilizar e desburocratizar processos, pois Portugal compete com outras economias europeias e de outras geografias onde estes aspectos são levados muito a sério. Dizemos muitas vezes que a economia real não funciona da 9 às 17 horas, o que significa que é preciso encontrar processos mais ágeis para que tudo isto funcione muito melhor. Entendemos que, com o grande desafio da digitalização, o processo se torna mais fácil e ágil. As novas tecnologias serão quase como um seguro de vida para muitas organizações e entidades. Mas, claro, é preciso investimento.

Na tomada de posse, referiu igualmente a necessidade de apostar em vários pilares estratégicos. Pode explicar em detalhe o que está por detrás desta sua ideia?

Sim, falámos em digitalização, escala, integração vertical das cadeias de valor e comércio electrónico. São estes os quatro pilares que, cumpridos, podem assegurar o futuro dos transitários. O futuro é digital e permite às PME poderem ser competitivas com grandes empresas. Sem o acréscimo de competitividade e as soluções operacionais que a digitalização permite, estar-se-á fora de mercado. O mesmo para a criação de empresas com escala, que competirão com as grandes operadoras mundiais aproveitando toda a cadeia de valor, por forma a maximizar as margens de comercialização, cada vez mais reduzidas. Repare que o apoio à criação de empresas de escala não é incompatível com o apoio às PME, é antes complementar. Isto é, as grandes empresas criam procura nos mercados onde operam, ajudando assim as PME, que continuarão a ser organizações altamente especializadas e próximas dos seus clientes. Quanto ao comércio electrónico, pensamos ser mais do que uma tendência actual. Ele pode vir a ser estruturante no futuro, pelo que os transitários têm de se preparar para essa nova realidade.

Gostaria que o País reconhecesse à Logística e aos transitários a importância que temos na vida das pessoas
Joaquim Pocinho

É sua intenção a criação de uma “comunidade portuguesa de logística ferroviária”. Esta área do sector dos transportes tem sido apontada como o caminho do futuro, devido à necessidade de transição energética e diminuição da pegada energética e carbónica, contudo, parece não estar a receber a devida atenção. Quais são os principais problemas a resolver na área da ferrovia?

A ferrovia actualmente está na moda. Está na moda porque, finalmente, percebeu-se ou mudou-se o discurso de que estamos perante um modo de transporte ambientalmente e socialmente mais sustentável e que, quando bem gerido e explorado, é também interessante financeiramente. O País voltou a investir na ferrovia, mas nós, transitários, só conseguimos transportar as nossas mercadorias se tivermos outras condições que não apenas as boas infraestruturas. Por exemplo, quando consultamos o PNI 2030 só existe uma página dedicada às mercadorias e nela apenas encontramos quatro fotografias. Nada mais. Entendemos que é preciso apostar em intermodalidade e que são precisas políticas públicas que apostem na dinamização da intermodalidade, agregando e compatibilizando os vários modos de transporte enquanto, simultaneamente, se minimizam custos e se aumenta a competitividade. Para isso, precisamos, igualmente, de plataformas rodo-ferroviária e de portos secos devidamente localizados, que sejam agregadores de carga, pilares de desenvolvimento regional e, por consequência, elementos centrais para a coesão territorial. A nossa intenção com a CLF - Comunidade de Logística Ferroviária é, precisamente, reunir todos os intervenientes do ecossistema ferroviário, com o foco na carga, nas plataformas e na criação e corredores logísticos de base ferroviária, mas sempre apoiados na rede rodoviária existente. Só assim entendemos que será possível aumentar a quota do transporte ferroviário. Queremos ser ouvidos e, se possível, aportar e indicar estratégias a implementar, nomeadamente, conciliando e harmonizando a rodovia, a ferrovia, os transportes marítimo e aéreo, utilizando hubs de carga onde esta pode ser movimentada entre os vários modos, mas também onde todas as entidades participarão no desenvolvimento da fluidez das cargas.

Perante conflitos armados, que dificultam a livre circulação física das mercadorias e num cenário onde há navios a serem atacados por milícias, como se faz a gestão do transporte de mercadorias quando estas têm de passar áreas em conflito? Há seguros especiais? Que mecanismos são usados e que garantias têm as empresas que expedem os seus produtos?

Bom, actualmente vivemos disrupções permanentes e até diárias. Não há dias iguais. Sim, é verdade que existem seguros de carga, que já prevêem este tipo de acidentes e incidentes, mas estes, normalmente, encarecem mais o transporte. Nós entendemos que não basta haver um seguro. O nosso sentido de responsabilidade leva-nos, muitas vezes, a aconselhar os nossos clientes a tomarem decisões diferentes das habituais, que, embora possam ser mais caras ou mais demoradas, são também muito mais seguras. É também nestes tempos de incerteza que os transitários se determinam como um elemento de estabilidade, dada a sua visão global do acontecimento e onde “amparam” os seus clientes para a tomada da decisão mais correcta.

A actuação do novo Executivo governamental, até agora, está a corresponder às suas expectativas? Quais são as matérias que considera serem prioritárias e que merecem uma resposta célere da parte do Governo? Qual a sua análise da opção Alcochete para a construção do novo aeroporto Luís de Camões?

O novo Executivo está há pouco tempo em funções, pelo que ainda é cedo para avaliações. Conforme referimos, a agilidade das cadeias de abastecimento, o espírito colaborativo das autoridades públicas e a diminuição dos custos de contexto, são acções fundamentais, na nossa opinião. E depois, defenderemos uma política de investimento público que maximize a utilidade das actuais infra-estruturas portuárias, a sua conexão com a ferrovia - e com mais ferrovia - e os portos secos, por forma a maximizar o interland dos nossos portos e a nossa capacidade multimodal. Quanto ao aeroporto, levámos 50 anos a decidir a sua localização. Agora que está decidido, que se construa! E, acima de tudo, que se construa a pensar também num hub logístico para as cargas aéreas. Foram anos e anos de estudos, pareceres, contestações e concursos, mas a economia não espera. É nosso entendimento que temos de continuar a encontrar soluções alternativas para colmatar estas indecisões e atrasos. É necessário que nos sentemos, dialoguemos e encontremos estas soluções conjuntamente. A APAT tem de fazer chegar a sua voz aos decisores e de ser capaz de influenciar decisões.

A grande quantidade de taxas, burocracias, a lentidão da Justiça, a falta de agilidade das entidades fiscalizadoras, causam entropia no sistema logístico nacional, que o torna pouco competitivo
Joaquim Pocinho

Caso Madrid conclua mais rapidamente o seu anunciado novo aeroporto do que Lisboa, fará ainda sentido continuar a falar de um hub estratégico na capital portuguesa?

A situação geográfica de Portugal e as suas conexões económicas e culturais com o mundo fazem de Portugal um país com vida e estratégia próprias face a Espanha ou outro qualquer país. Pelo que a resposta à sua pergunta é sim. Agora, convém sermos melhores do que os nossos mais directos competidores e fazer com que a estratégia de Portugal tenha sucesso. Resta fazer bem e de forma ágil e contar, acima de tudo, com as nossas mais-valias nesta matéria, que são muitas.

Quando terminar o seu mandato, qual é a medida principal que gostaria de deixar implantada?

Gostaria de ter um país que reconhece à Logística e, especialmente, aos transitários a importância que, verdadeiramente, têm na vida das pessoas.


Perfil

Garantir a entrega de bens

Eleito no dia 20 de Março, em lista única, como presidente da Associação de Transitários de Portugal, Joaquim Pocinho, é portador de uma vasta experiência no campo logístico.
 
Enquanto operador transitário, faz parte do grupo de pessoas e entidades que prestam serviços no transporte internacional de mercadorias, no papel de intermediário entre o exportador ou importador e empresas de transporte e logística.
 
É a Pocinho e a profissionais como ele que devemos a mediação nas operações de transporte internacional de todos os modos de transporte - marítimo, fluvial, aéreo, ferroviário, transporte ou multimodal – garantindo também operações administrativas ou procedimentos aduaneiros, de gestão financeira, de créditos documentários, de seguros ou fiscais.
 
O actual presidente já integrava a estrutura directiva anterior, sucedendo a Paulo Paiva, que completou três mandatos à frente da associação nacional dos transitários. A APAT representa actualmente 252 associados, distribuídos pelo norte, sul e ilhas.