Desporto

Mais divertimento e poucas chatices com o Escort do carteiro de Soure

8 out 2020 15:59

O Rallye Vidreiro regressa às estradas do pinhal de Leiria. A competir com os “carrões” há alguns clássicos de figuras do desporto automóvel, como João Sobral

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João Sobral quer levar o Ford Escort até ao fim do Rallye Vidreiro
Ricardo Graça

Esta sexta-feira, quando o Rallye Vidreiro for para a estrada, João Sobral vai ser um dos últimos a partir entre os 110 participantes da prova organizada pelo Clube Automóvel da Marinha Grande. Vai, por isso, ter o desafio adicional de enfrentar buracos e “berlindes” deixados por outros, mais rápidos e mais potentes.

São, no fundo, as contingências da vida de um piloto apaixonado, mas sem qualquer ambição que não seja a mais absoluta diversão ao volante do seu velhinho Ford Escort 1600.

Aos 68 anos, este antigo professor de Educação Física será um dos mais velhos do pelotão. A paixão vem de longe, mesmo muito longe, mas só muito recentemente, há coisa de uma década é que começou a participar em provas.

Eram “outros tempos”, que lhe formaram a personalidade. “O pessoal da Marinha Grande da minha idade corria o País atrás dos ralis. Íamos em quatro ou cinco carros, fazíamos os troços, parávamos e ficávamos a ver”, recorda, entre sorrisos.

As provas eram seguidas avidamente em jornais e revistas da especialidade. Também ouviam os relatos na rádio, como se de futebol se tratasse, e tiravam apontamentos para melhor perceberem o que se estava a passar.

O Rali de Portugal, então Rali Internacional TAP, trazia os melhores pilotos, como Ari Vatanen, Achim Warmbold e Jean Luc Therier, nos melhores carros, dos Fiat Abarth aos Alpine Renault, passando pelos Datsun 1600 e pelos Ford Escort.

João Sobral tinha ligações familiares à Auto-Leiria, então representante da marca americana na região, e por isso optou sempre pela Ford para automóvel do dia-a-dia, mas também na altura de escolher um veículo de diversão.

“É um carro emblemático, que me ficou sempre na memória. Ainda por cima, o meu primo Guilherme Roldão também corria com um Escort”, explica o piloto. Não fazia sentido que assim não fosse.

Dores de cabeça

Antes de pegar no volante, mas decorrente desta enorme paixão pelas quatro rodas, João Sobral tinha uma missão nobre, mas menos divertida.

Foi presidente do Clube Automóvel da Marinha Grande, comissário desportivo e director de provas como o mítico Rota do Sol, a Rampa de Porto de Mós ou o actual Vidreiro.

E se assim continuasse, por estes dias, nas vésperas destes eventos, estaria assoberbado de trabalho para que nada falhasse e as provas continuassem a ser das preferidas de pilotos e público.

“Impossível de esquecer” são os “milhares de quilómetros” que fez, com o “mapa na mão”, à procura dos troços perfeitos ao volante do automóvel do dia-a-dia.

Até que disse basta. Queria aproveitar o lado sorridente desta vida. “Deixei de ajudar e resolvi arranjar um carrito para me entreter na velhice”, admite.

Agora, faz tudo “nas calmas”. “Estou reformado, tenho muito tempo para tratar do meu Escort”, explica o antigo docente.

O carro, branco, distingue-se dos outros por não ter qualquer autocolante, a não ser o número. “Nunca consegui pedir um patrocínio para mim. Só para os outros”, admite João Sobral.

Vai conduzir, assegura, um “carro do dia-a-dia”. Como antigamente, de resto, quando os veículos iam correr e voltavam a andar nas estradas, como se não tivessem uma vida paralela, muito mais divertida e cheia de adrenalina. “Não tem alterações, só cumpre algumas especificações. É tão normal que pertencia ao carteiro de Soure. Até rádio tem.”

Os objectivos são simples, mas definitivamente para cumprir, com o navegador António José Oliveira a seu lado. “Só quero divertir-me, conviver e chegar ao fim. Divirto-me muito com a malta amiga, com aqueles dois ou três que correm nas mesmas condições do que eu, como o Nuno Ferreira e o Vítor Cardeira. Nós corremos com carros, os outros têm carrões.”

Na Marinha Grande, o Rallye Vidreiro é, também, um evento social, muito sustentado nesta paixão pelas quatro rodas que vai correndo de geração em geração. Muito se conversa, durante estes dias, sobre ferodo queimado e os carros saem das garagens para um evento tão relevante quanto elegante, considerado um dos melhores de Portugal.

João Sobral está pronto há muito tempo. “Já está tudo. É preciso travões em dia, a direcção alinhada e bons pneus, que a mim duram a época inteira”, explica o piloto. Tudo “muito diferente” de quando era responsável pelas provas.

“Não me chateio. Como director de prova arranjam-se alguns inimigos. Há um piloto que penalizei que ainda está convencido que o fiz para prejudicá-lo. Ainda tenho em casa dois troféus para ele...”