Desporto

Os últimos filhos do pó

12 mar 2016 00:00

Na altura dos filhos super-protegidos, das playstation e da realidade virtual, a quatro quilómetros do centro da cidade de Leiria ainda há miúdos que saem de casa à noite, com chuva e frio, para jogar futebol… num campo de terra batida.

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O Becas é o dono da baliza de benjamins da Bola Tangente. É, também, o capitão de equipa. Tem 9 anos, frequenta o 4.º ano e é fã de Rui Patrício, o guarda-redes internacional que também deu os primeiros pontapés na bola num pelado dos arredores de Leiria.

Becas, ou Bernardo se o assunto for mais sério, adora futebol. Todas as semanas treina e joga nos Parceiros, a poucos quilómetros do centro de Leiria, num dos seis últimos campos de terra batida que subsistem com actividade no distrito.

A paixão que tem não é tanto marcar golos, mas fazer defesas impossíveis e fazer voos que terminam inevitavelmente com o corpo no chão.

Doer dói, mas o Becas é um miúdo surpreendente que prefere jogar no pelado do que na relva sintética com que estão munidos a maioria dos recintos da região. “Quando caio aleijo-me menos. A terra amortece a queda”, explica o guardião.

Cheio de vida, revela que prazer, prazer, tem a jogar quando chove e termina a partida “com lama da cabeça aos pés” e o equipamento completamente sujo. “É muito mais divertido”, sorri para a equipa de reportagem do JORNAL DE LEIRIA.

A opinião de Becas não é, contudo, partilhada por todos os colegas de clube. Para o Afonso, de 6 anos, que adora “fazer fintas”, desde que esteja a jogar está tudo bem, é-lhe indiferente jogar em pelados ou em sintéticos.

Já o Tomás, um reguila de 7 anos que adora fazer “passe e recepção”, gosta mesmo é de tapetes verdinhos. “Assim não me aleijo nos cotovelos e nos joelhos”, diz, com toda a naturalidade

Estes três miúdos, com outras três dezenas que frequentam a escolinha de futebol dos Parceiros, são os derradeiros resistentes do futebol do peladão. Com a chegada em massa dos relvados sintéticos, as crianças foram tendo condições para evoluir melhor, poucos sendo os que subsistem nas condições que os miúdos da Bola Tangente têm.

Para o treinador dos traquinas e coordenador de toda a escola de formação, o processo de aprendizagem torna-se mais difícil. “A bola salta mais e há depressões no terreno que tornam o controlo mais difícil”, explica Diogo Bártolo. “Também dá para jogar, mas há poças, lama, a bola vai aos saltos...”

Para o responsável, esta situação é “mais desmotivante” para os pais do que para os atletas. Anabela Silva é mãe de um dos miúdos da Bola Tangente e cansa-se de lavar tanto, mas tanto equipamento. “Lá em casa é o dobro do trabalho”, explica a progenitora.

“A roupa tem de ser lavada antes de ir para a máquina porque vem cheia de saibro e lama.” No entanto, Anabela não acredita que o filho se sinta menos entusiasmado com o futebol por jogar e treinar em terra batida.

“Os miúdos não se queixam. Os garotos gostam de andar na lama. O pior são os pais, que ficam desmotivados com as condições. Houve casos de rapazes que vieram experimentar, mas quando os pais viram que ainda se treinava em pelado nunca mais os levaram.”

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