Sociedade
Silêncio dos arguidos permite absolvição no processo cashball
"Determinante para este desfecho foi a postura processual de Paulo Silva, que no seu direito optou pelo silêncio”.
Os três arguidos do processo de corrupção desportiva, conhecido por cashball, foram absolvidos pelo Tribunal de Leiria, por não se ter feito prova em sede de julgamento dos crimes por que vinham acusados.
O silêncio a que se remeteram os três acusados impossibilitou o colectivo de juízes de fazer prova do que constava na acusação deduzida pelo Ministério Público do Porto.
Os empresários desportivos Paulo Silva e João Gonçalves e o ex-funcionário do Sporting Gonçalo Rodrigues estavam acusados de crimes de corrupção activa, que envolvem dois árbitros de andebol de Leiria, no processo que ficou conhecido como cashball.
Durante a leitura do acórdão, a juíza presidente do processo considerou que "determinante para este desfecho foi a postura processual de Paulo Silva, que no seu direito optou pelo silêncio”.
Face ao silêncio - permitido por lei - dos arguidos, as declarações prestadas ao "juiz de instrução criminal não podem ser valoradas nem utilizadas para incriminar arguidos”.
“A confissão só por si, sem a contradição em tribunal, tem capacidade limitada para a descoberta da verdade. Os árbitros disseram que não receberam qualquer valor. Grande parte dos ficheiros de comunicação entregues por Paulo Silva eram editáveis, pelo que o tribunal coletivo entendeu não haver condições técnicas que o tribunal se fundasse com segurança nessas comunicações”, adiantou a juíza presidente.
Por isso, os arguidos “vão absolvidos, porque a prova legalmente produzida em audiência não foi, no entender deste tribunal, suficiente para dar uma decisão contrária”.
“É um prazer enorme trabalhar com uma magistrada judicial deste género que, em vez de decidir, como às vezes se diz, segundo a consciência, decide segundo a lei e é assim que se faz uma verdadeira justiça e aqui foi feita justiça”, começou por afirmar aos jornalistas Carlos Melo Alves.
O defensor de João Gonçalves adiantou que “não significa que tenha sido uma justiça do cidadão”, mas “segundo aquilo que a lei diz”.
Para Carlos Melo Alves, poder-se-á ter verificado “erros estratégicos de muita gente, erros da investigação e, se calhar, erros das defesas”.
“Quem tem experiência de mais de 30 anos de advocacia, aquilo que conclui de um processo destes, que eu já concluí há muitos tempo, é que a prova nunca se pode fundamentar exclusivamente nos arguidos. A prova dos arguidos é flexível: tanto vai para um lado como vai para outro, como vimos aqui. A investigação devia saber que uma prova sustentada nas declarações de arguidos é volátil”, concluiu.
Segundo o despacho do MP a que o JORNAL DE LEIRIA teve acesso, o processo cashbal’ iniciou-se com uma denúncia no Departamento de Investigação e ACção Penal (DIAP) do Porto, quando o empresário desportivo Paulo Silva, em março de 2018, relatou que foi abordado pelo agente de futebol amigo – João Geraldes – para que junto de árbitros designados para jogos de andebol do campeonato nacional favorecesse o Sporting.
Os juízes em causa são Ivan Caçador e Roberto Martins, que pertencem à Associação de Andebol de Leiria e que, segundo o MP, não ficou provado que tivessem aceitado o alegado suborno.
Neste processo, o arguido Paulo Silva estava acusado de três crimes de corrupção activa, dois deles na forma agravada. João Gonçalves e Gonçalo Rodrigues respondiam ainda pela prática de um crime de corrupção activa agravada relativamente a Ivan Caçador
Carlos Macanjo, advogado de Paulo Silva, afirmou que esta “não era certamente a decisão que muitas pessoas esperavam”, mas “foi a decisão que a justiça tomou”.
O advogado explicou que o silêncio do seu constituinte foi a decisão tomada “em termos de estratégia”. “Se alguém tem de apontar aqui erros, podemos apontá-los à investigação”, rematou.