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Uma sala de estar e um apocalipse boémio. O que inventou David Fonseca desta vez?

7 abr 2022 10:00

David Fonseca lança um disco que é um filme e um filme que é um disco. Espectacular e surpreendente, segundo colaboradores próximos. Primeiro episódio hoje nas plataformas digitais

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Esta quinta-feira, 7 de Abril, fica disponível o primeiro episódio do álbum visual Living Room Bohemian Apocalypse, de David Fonseca, uma obra “intimista”, “surrealista”, “espectacular” e “surpreendente”, segundo alguns dos colaboradores mais próximos do músico de Leiria, anunciada nas redes sociais como “um disco que é um filme” e “um filme que é um disco”.

“Este é ele”, diz o designer e amigo Nuno César Vieira. “O David sempre andou à procura, à procura, à procura. E este trabalho, na minha perspectiva, é um encontro. É capaz de ser o mais completo. Ele encontrou-se ali”.

Nas últimas semanas, as páginas de David Fonseca nas plataformas online ligaram os nomes de Filomena Cautela e Joaquim Monchique ao novo projecto, além de Sofia Grilo, Pedro Almendra, Raquel Henriques, Filipa Peraltinha, Francisco Gomes, Susie Filipe, Ana Luísa Oliveira, Luís Borges, Mariana Posser, Ana Ventura, Maria Ventura, Afonso Cunha, Tiago Lobo e a companhia Rince Na Lisboa.

O que David Fonseca tem para oferecer ao imenso clube de seguidores, mais de 340 mil só no Facebook e cerca de 100 mil no Instagram, é, segundo Nuno César Vieira, “um pequeno milagre”, efectivamente raro na música em Portugal, “um trabalho espectacular, tecnicamente muito bom”, ao mesmo tempo “muito intimista”, onde David Fonseca “se expressa a 360 graus”, com algum “surrealismo pop”.

O músico Paulo Mouta Pereira, que acompanha David Fonseca desde a fase final dos Silence 4, concorda: “O que eu vi é algo mesmo surpreendente em termos visuais e artísticos”.

O álbum de 2018, Radio Gemini, e a digressão que lhe está associada, Closer, já com utilização de câmaras, é lembrado por Paulo Mouta Pereira para destacar a personalidade plástica de David Fonseca e a capacidade de interacção com aquilo que se passava nos ecrãs. “É uma pessoa com uma componente muito mais alargada do que a música propriamente dita, nunca lhe chegou simplesmente ir para cima do palco tocar as músicas”. Como “um Bowie” português em que “a parte performativa” está obrigatoriamente presente. “Ele vê a música como uma manifestação que não se prende apenas com a música”. Na verdade, “nunca é só acerca da música”, porque o antigo frontman dos Silence 4 e antigo estudante de Cinema e de Belas Artes, “está sempre à espera de alguma coisa que o desvie da posição de conforto”, sempre em busca de “alguma coisa diferente”, o que faz de cada nova edição “um mistério” e “uma surpresa”. Uma abordagem que prolonga diante do público e que justifica o prémio para melhor desempenho ao vivo nos Iberian Festival Awards, recentemente atribuído.

Criador multifacetado, David Fonseca tem fama de workaholic e Nuno César Vieira recorda um episódio que o parece confirmar, uma noitada de trabalho até às cinco da manhã em Leiria, em torno da identidade visual de um novo projecto, da qual saiu directamente para o estúdio de gravação no Porto, alegadamente com uma canção em falta, que terá começado a compor pelo caminho. O responsável pelo artwork e design gráfico e co-autor das capas dos discos de Silence 4 e da fase a solo desde 2003 assegura que “é fácil” colaborar com alguém, “perfeccionista”, que vai ao pormenor de escolher as fontes tipográficas. “Algumas vezes o David traz o conceito já definido, a maior parte das vezes até é assim”, explica. Mostra “instinto” para a comunicação e parece saber gerir “todos os momentos de modo a que a expressão seja eficaz”, o que favorece a relação com os fãs e lembra imediatamente a comunidade Amazing Cats, gerida através do site oficial.

Quando os Silence 4 ensaiavam na Reixida, onde hoje existe o espaço Serra, em instalações do Grupo Movicortes, João dos Santos ocupava um ateliê. A amizade, iniciada ali ou talvez no bar Opus, em Leiria, evoluiu para uma colaboração de vários anos, em que no centro estão as artes plásticas e a imagem.

Além de carregar instrumentos e equipamento de som nos primeiros anos de estrada, o actual director da director da Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha (ESAD.CR) pintou cenários para concertos, idealizou a cenografia em espaços para o lançamento de discos e desenvolveu pinturas para vídeos e material de palco. Já David Fonseca contribuiu várias vezes com fotografias para exposições de João dos Santos. “Íamos ao cinema juntos”, recorda, identificando em David Fonseca um “artista multidisciplinar” em que “tudo parece natural”, e uma profunda cultura visual, não só musical. “Andou sempre com uma máquina fotográfica às costas, a sensibilidade para a imagem vem com ele desde que o conheço”, refere o docente do Politécnico de Leiria. “Tem uma noção do que é um espectáculo e do que é importante para as pessoas que vão assistir ao espectáculo e de como as envolver”, o que, num certo sentido, parece ser uma prova de “generosidade”.

Depois de realizar os seus próprios videoclipes, de assinar exposições fotográficas e de publicar o livro Right Here, Right Now, uma colecção de polaroids registadas entre 1998 e 2008, David Fonseca regressa aos comandos da câmara no projecto Living Room Bohemian Apocalypse, em que, além do conceito, participa na captação de imagem, na realização e na edição. O filme que é um disco que é um filme sucede a Lost and Found – B Sides and Rarities (2020) e a Radio Gemini (2018) e dá continuidade a um longo trajecto de experimentação, que inclui momentos como um tributo a David Bowie e um disco gravado como um diário.