Opinião
A Inteligência Artificial nunca terá pele de galinha
O capitalismo do like é o paradoxo da liberdade, perversa incitação à partilha de opiniões e ao exibicionismo
Byung-Chul Han, filósofo e ensaísta sulcoreano, professor da Universidade de Artes de Berlim, afirma que hoje o mundo se despoja do apego às coisas tangíveis, o que irrompe das (des)informações, tão fantasmagóricas e excêntricas, que geram um fenómeno de «infomania». A digitalização «desreifica» e «descorporiza» o mundo, eliminando as recordações e os factos.
As «coisas do mundo» que Hannah Arendt exorta e nos induzem a «estabilizar a vida humana», definham. Há momentos em que parece que já não habitamos na terra, mas antes no Google Earth, na Cloud ou no Meta. Revolve-nos um tsunami de estímulos, tornando-nos obcecados com dados, métricas, visualizações e shares.
A subjugação à ordem numérica e digital expõe-nos à hipervigilância e ao controlo infindável. E nesta utopia digital estamos alienados, como numa prisão inteligente, comandados por algoritmos, na distópica convicção de que contemos saberes, numa pseudo-evolução da espécie humana. É o «Phono Sapiens» que se vicia no instante, no prazeroso usufruto da dopamina.
O Homem deixou de ser o centro do mundo. A computação tomou-lhe o lugar. Um cortejo de códigos e opacidades, vanglória de ignorâncias e poder, concedidos aos que cifram a tecnologia e decifram a humanidade, esmifrando o civismo. A tecnologia consumista restringe o factor humano à dormência e inaptidão. Sem contacto corporal não se estabelecem vínculos. E isso vale tanto para o conhecimento, como para as pessoas.
O egocentrismo intensificado pelo smartphone, sem qualquer empatia, detendo-nos na janela digital que distorce a realidade e os valores essenciais. Somos configurados e conduzidos por dispositivos tecnológicos, tornando-nos servos da voracidade cibernética. O capitalismo do like é o paradoxo da liberdade, perversa incitação à partilha de opiniões e ao exibicionismo.
Do poeta Manoel de Barros urge revelar um legado de «vanguarda primitiva». Eis, que no livro «Tratado geral das grandezas do ínfimo», já nos avisava “que árvores, bichos e pessoas têm natureza assumida igual”. Não haverá IA que combine todos os sentidos. Somente o ser pensante: transfigurando poeticamente o universo nas suas visíveis minudências, face à irrealidade, na estreita relação com a natureza e o humanismo.
A disposição afectiva é uma força de gravidade que reúne as principais virtudes da espécie humana, na compaixão e na alegria, na divergência dos gestos, na liberdade de pensamento, mas sobretudo, no amor.