Opinião
Como ganhar dinheiro com a chuva
O SMAS vendeu-nos água no valor de 11,1 milhões de euros e comprou-a à AdCL por 4,1 milhões
A água é um recurso estratégico finito, renovável e essencial à vida. Diversos estudos concluem que, decorrente das alterações climáticas, a região mediterrânica sofrerá uma redução de precipitações. Em Portugal, em face do clima e da sua fisionomia montanhosa, as chuvas são mais frequentes na região Norte.
Ou seja, de Norte para Sul, a quantidade de água disponível é menor. Toda a água que abastece o concelho de Leiria provém da Bacia Hidrográfica do Rio Lis (BHL) captada subterraneamente. Por definição, uma bacia hidrográfica é um sistema de drenagem para um rio e/ou afluentes de um rio principal.
A BHL tem cerca de 850km2 que se estende das Serras de Aire e Candeeiros até ao extremo Norte do concelho no Coimbrão. A maior fonte de captação da BHL é feita nas Serras cársicas. A água da chuva entra na rocha calcária e vai enchendo este grande reservatório natural. Na BHL, a relação uso/disponibilidade de água é de 10%, podendo chegar aos 14% em ano de seca.
Aqui em Leiria, a água que nos chega às torneiras é comprada pelo SMAS às Águas do Centro Litoral (AdCL) que é captada e tratada pela ETA do Paul/ Monte Redondo. Em 2022, o SMAS comprou 10.447.537 m3 e faturou 6.799.504 m3. Cerca de 35% da água não foi faturada; foi em larga medida desperdiçada em roturas do sistema de abastecimento.
O SMAS vendeu-nos água no valor de 11,1 milhões de euros e comprou-a à AdCL por 4,1 milhões. Ou seja, o SMAS praticou uma margem bruta de 169%. E qual foi o resultado económico disso? Em 2022, o SMAS apresentou um saldo de gerência de 6,2 milhões de euros e um lucro líquido de 2,9 milhões. Em 2023, o lucro líquido previsto foi de 1,7 milhões. É assim que se ganha dinheiro com a água da chuva.
O actual modelo de negócio do SMAS é bastante lucrativo e vem na sequência do episódio ocorrido em 2002 em que, devido a poluição do rio Lis, a cidade ficou privada de água durante uma semana. A câmara municipal entendeu - e bem! - que não poderia ficar refém do rio. Mas os riscos não foram eliminados. Uma bacia hidrográfica é um sistema aquífero que envolve o rio principal e os seus afluentes.
Por isso, a sua gestão deve ser integrada e procurar desenvolver harmoniosamente os usos da água e de outros recursos (a terra, a fauna e a flora). Cerca de 63% do uso das águas da BHL tem risco poluente – agricultura, indústria e pecuária. O sistema natural de abastecimento de água na BHL não tem reservatórios estratégicos, tais como albufeiras ou açudes.
Ou seja, Leiria ainda está vulnerável em termos de recursos hídricos. O SMAS é uma instituição pública que lucra com a água da chuva, mas que não tem feito os devidos reinvestimentos preventivos. O SMAS deveria ser o agente mais interventivo no desenvolvimento de um plano estratégico para a água em Leiria. Dar uso ao dinheiro que se ganha com a chuva para a promoção do bem comum.