Editorial

“Construam-me, porra!”

27 jul 2023 09:00

Nos últimos anos, milhões de hectómetros cúbicos de água foram lançados ao Lis pela ETAR do Coimbra, seguindo para o mar, quando poderiam ser usados para rega. Falta um tubo de 250 metros

Quando lemos a notícia desta edição sobre o adiar sucessivo da ligação da ETAR do Coimbrão à rede de rega do Vale do Lis, parece que estamos perante o célebre slogan da Barragem do Alqueva: “Construam-me, porra!”

Para matar a sede aos campos daquela zona agrícola, são precisos uns meros 250 metros de tubo, para interligar a estação de tratamento ao sistema da Associação de Regantes e Bene ciários do Vale do Lis (ARBVL).

Contudo, desde 2008, data em que a ETAR foi inaugurada, milhões de hectómetros cúbicos de água foram lançados ao Lis, seguindo para o mar.

A associação de regantes quer usar a água, mas faz pesar o ónus de garantir, por uma questão de saúde pública, que o líquido que sai da ETAR cumpre os critérios de qualidade para alimentos, como seria de esperar na rega de hortícolas para alimentação humana.

É uma condição sensata, uma vez que água com tratamento de ciente poderia fazer adoecer os cidadãos que comessem alimentos regados com água da ETAR, caso a qualidade não fosse a adequada.

Para a ARBVL é à Águas do Centro Litoral (AdCL), que gere a ETAR, a que compete fazer as análises periódicas à qualidade, alegando que não pode suportar o custo.

A AdCL, por seu lado, diz que os agricultores nunca mostraram interesse no uso da água tratada, embora, por várias vezes, na comunicação social isso tenha sido referido.

A empresa avança ainda com o fantasma dos custos das “adaptações signi cativas” ao modelo implantado para o aproveitamento da água para rega, já que o regadio do Lis, passou, em parte, de “gravítico para pressão”.

É um jogo de cintura difícil de entender.

E ainda mais difícil de entender numa empresa cujo escopo é o ambiente, num tempo de alterações climáticas, a meio de mais um ano de seca, a não ser que a AdCL não tenha interesse em admitir que a qualidade não é suficiente para uso na rega, mesmo com mais uma etapa de tratamento, dando razão à autarquia da Marinha Grande que atribui os chumbos da qualidade da água da praia da Vieira à ETAR.

É um caso onde não basta a seriedade da mulher de César.