Dicionário improvisado XXVI

Aprendizagem 
O menino está na varanda a observar o voo dos pássaros, atento e fascinado. Sem desviar o olhar do que vê, pergunta: «Mãe, há pássaros que voam melhor do que outros? É como as crianças e o futebol, em que umas jogam bem e outras nem por isso?» A mãe não responde, mas pouco depois surge na varanda. Ficam ambos a observar o voo dos pássaros, atentos e fascinados. 

Exumação 
A pedra permanecera debaixo de terra durante séculos, ninguém sabia exactamente quantos. Quando a desenterraram, porque naquele local iria ser construída uma autoestrada e não convinha ter lá uma pedra gigante no meio, colocaram-na num campo à beira de umas árvores e esqueceram-na. A pedra sentiu o sol, a brisa leve e ininterrupta; descobriu o cheiro das andorinhas que voavam ali perto; ouviu as cigarras. Pensou no que perdera durante todos aqueles séculos e teve inveja das árvores. Depois fixou-se nas nuvens que passavam, e nunca mais desistiu de tentar decifrar o mistério do azul do céu. 

Mapeamento 
O menino está na varanda a observar o voo dos pássaros, atento e fascinado. Sem desviar o olhar do que vê, pergunta: «Mãe, será que os pássaros voam ao acaso ou seguem mapas que apenas eles conhecem? Se voarem com mapas é como se lhes estivessem a aprisionar os voos, não achas?» A mãe não responde, mas pouco depois surge na varanda. Ficam ambos a observar o voo dos pássaros, atentos e fascinados. 

Meteorologia 
Imaginou que seria bonito poder oferecer uma nuvem a alguém; enviá-la a outra pessoa através do céu, como se fosse uma carta ou uma encomenda; e a pessoa nem teria de ir aos correios fazer o levantamento, bastava-lhe olhar para o céu: e lá estaria a sua nuvem de presente. Imaginou que seria bonito para as pessoas, mas talvez as nuvens não apreciassem andar de um lado para o outro a fazer recados; e até poderiam começar a perder chuva nos momentos e locais mais inapropriados, tornando a vida muito confusa para os meteorólogos e para as pessoas que adivinham a chegada de chuva quando sentem uma dor no joelho. 

Pólen 
Diz ele: «Não podemos transportar todo o nosso passado connosco, e por isso vamos deixando pedaços guardados em sítios e em pessoas; de certo modo, vamos espalhando o passado por aí, um pouco ao acaso, largamos isto aqui e aquilo ali, nem sempre de forma consciente e propositada. Não achas?» Diz ela: «Como o vento a espalhar o pólen das plantas?» Riem juntos. 

Sonho 
Sempre foi sonhador. Por exemplo: na escola, tinha colegas que diziam que gostariam de ir à lua, de caminhar na sua superfície. E ele pensava que isso era uma fraca ambição; claro que também queria ir à lua, mas não para passear; sonhava plantar lá uma árvore, talvez iniciar a primeira floresta lunar. Já não vai à escola há mais de 50 anos, mas ainda pensa em árvores quando olha a lua. 

Tonalidade 
O silêncio é apenas uma voz um pouco diferente de todas as outras que podemos escutar; e nem sequer diz coisas assim tão diversas.