Opinião

Fazer anos

30 jan 2020 12:16

Festejar os anos é mesmo uma festa, sem interpretações ou sentidos enviesados.

Quando somos crianças, o dia de fazer anos é sobretudo um exercício de plena consciência de si no meio de outros, e de reinado por um dia com direito a sentir-se o mais importante de todos quantos estiverem por perto.

E desses, para além de beijos e abraços, esperamos receber os incontornáveis presentes que todos nos trarão como forma de assinalar a importância da data. Festejam os adultos o seu nascimento e vida, e festeja a criança a sua existência de cândida e total centralidade no seu pequenino umbigo.

Mais tarde, lá pela adolescência, o dia dos anos pode ser uma agitação na confirmação de certezas e de dúvidas, num balanço entre extremos, feito de perspectivas engordadas, ou emagrecidas, sobre quem somos, sobre quem gosta, ou não, de nós e, sobretudo, sobre o que achamos que os outros acham de nós.

Os presentes, os de carne e osso e os outros, e os ausentes, desfazem umas dúvidas e cavam outras, mantendo o mundo de incertezas que parece não ir ter um fim à vista.

Em tudo se procuram significados, quase sempre moldáveis ao que na verdade se queria encontrar, e entre choros e alegrias esfusiantes, a existência festeja-se na indefinição e na ambivalência do existir.

Chegados à idade adulta, haja enfim sossego!

Festejar os anos é mesmo uma festa, sem interpretações ou sentidos enviesados.

Os presentes, todos os presentes, são sinais inequívocos da proximidade, da amizade, e da alegria de partilhar a vida. E nessa festa feita sem interrogações ou dúvidas, celebra-se uma existência sem fim à vista e sem limitações, plena de força, segura das suas capacidades, e muito consciente da importância desses outros que nos importam.

Iremos, todos juntos, para um lado qualquer, naquele ou noutro dia qualquer, e nenhum obstáculo será intransponível.

Somos inteiros e plenos, gostamos da diferença que nos caracterize e, acima de tudo, somos eternos.

Não sei bem quando o caso volta a mudar de figura, mas muda, e de diferentes modos.

Há os que a certa altura decidem não festejar os anos nunca mais, e passam como gato sobre brasas por esse dia, apenas vivido entre as quatro paredes e a família muito próxima.

Há os que continuam a celebrar o dia, mas com a total omissão do número de anos que já viveram, como se esse olímpico fechar de olhos servisse de facto para alguma coisa.

Há, ainda, embora sejam felizmente poucos, os que mentem sobre a idade que têm, achando que ninguém repare nesse calendário avariado.

A idade passa a ser uma preocupação, um desgosto, quase uma vergonha que a todo o custo precisa de ser ignorada, e escondida.

Festejar os anos que se fazem transforma-se num sorriso amarelo a suspirar pelo final do dia de tão má lembrança. Mas felizmente há os outros.

Os que a cada ano, e por muitos que se somem, se querem ver entre amigos e família, entre música e abraços, entre risos e lembranças e projectos.

Os que sentem que a vida será sempre infinita enquanto dure e que dessa infinitude fazem parte todos os anos já vividos.

Os que festejam a glória de viver, e que sempre serão inteiros, plenos, diferentes e, sobretudo, eternos.

Parabéns a quem os festeja assim!