Opinião
Para onde estamos a ir?
Reflectimos mais, talvez, mas comunicamos muito menos. Temos saudades de como era, mas já nos habituamos a que seja assim.
Depois de meses a aprender a viver de um modo oposto àquele em que sempre vivemos, obrigados a modificar a forma como nos relacionamos com os outros e com o mundo, como nos relacionamos agora com nós próprios?
Primeiro, trocámos o trabalho, a escola, as reuniões familiares alargadas e os encontros de amigos, por um computador pousado numa mais formal secretária ou no descansado conforto dos joelhos, e empenhámo-nos em obter as melhores ferramentas e em aprender as melhores técnicas e truques para nos relacionarmos com sucesso online.
Vivíamos com medo do perigo desconhecido que nos ameaçava em notícias assustadoras, mas o isolamento forçado era recente, e ainda acreditávamos que tudo se resolveria em poucos meses.
O confinamento traduziu-se numa aprendizagem de como sair de casa sem correr riscos, e de como inventar uma outra forma de viver apenas dentro dela, com o pequeno grupo que disso fizesse parte.
E assim, num processo importante de criação e de descoberta, lemos e ouvimos, pensámos projectos, fizemos arrumações e cozinhámos como nunca, participámos em múltiplos acontecimentos virtuais e criámos grupos nas redes sociais onde mantínhamos uma comunicação regular e intensa sobre de tudo um pouco; construímos os nossos casulos e adaptámo-nos a uma nova dimensão física, social e emocional.
A memória da nossa antiga vida era ainda fresca e mantínhamos com ela uma relação feita de lembranças, saudades e o desejo intenso de voltar, ansiosos para pôr em prática projectos, jantaradas, e saídas culturais, e cumprir com todas as intenções de intensificar relações que então descobrimos termos deixado desleixar.
No confinamento, aprendíamos a valorizar o mais importante da vida: os outros, e a liberdade.
Depois veio o Verão e finalmente saímos, ainda assustados, mas inebriados pelo sol e ansiosos por retomar a vida, muito próximos da nossa família e muito ávidos de todos os outros.
Mas a vida que voltava era cheia de cautelas e limites, e os outros não cabiam afinal dentro dela, separados de nós por máscaras, acrílico, metros e meio, e cotoveladas. Já sem tempo para grandes partilhas nas redes sociais, e privados dos ansiados encontros, agarramos na ânsia de viver e fomos aprendendo a vivê-la sozinhos.
E quando chegou o Outono sabíamos já como viver normalmente esta vida anormal.
Permanecemos agora dentro de vidas reduzidas ao núcleo familiar, para onde voamos depois do trabalho e da escola, e a projecção de nós no outro que também viu, que também leu, que também esteve, e que pensa, ou não, o mesmo que nós, quase desapareceu.
Reflectimos mais, talvez, mas comunicamos muito menos.
Temos saudades de como era, mas já nos habituamos a que seja assim.
Resignamo-nos à falta de toque, ao afrouxar de laços, e à impossibilidade da descoberta e do encontro de estranhos que nos façam olhar de outro modo e para um outro lado. Estamos mais fechados, mais distantes e mais solitários.
Para onde estamos a ir?
Atentemos no caminho, porque teremos de saber voltar.