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Alunas fazem reflexão artística a partir da História dos Plásticos

31 mai 2020 15:00

Criação | A exposição Plasticidade, patente no Museu de Leiria, faz a narrativa histórica de um dos mais versáteis materiais à disposição do Homem e a sua ligação à região. Cinco alunas de Artes Plásticas foram convidadas, partindo desta mostra, a participar numa residência artística

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As jovens, na fotografia acima, no Espaço Serra, na Reixida, (con)viveram, no museu, com vários ícones do design e do mundo do plástico do século XX
Mircea Albuţiu
Jacinto Silva Duro

Filipa Jesus, Juju Bento, Luna Gil, Maria Matias e Rafaela Silva, alunas do 2.º e 3.º anos da licenciatura de Artes Plásticas, da Escola Superior de Artes e Design (ESAD.CR), de Caldas da Rainha, participaram na Plasticidades - Residência Artística e exposição online, que se debruça sobre a mostra Plasticidade – Uma História dos Plásticos em Portugal, patente no Museu de Leiria.

Esta exposição apresenta a evolução do papel do plástico na sociedade do século XX, do brinquedo ao objecto decorativo ou material de escritório, sem esquecer o seu protagonismo utilitário.

Resulta da parceria entre o Município de Leiria e o projecto de investigação O Triunfo da Baquelite – Contributos para uma História dos Plásticos em Portugal, desenvolvido no Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia - Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Filipa Jesus
Nasceu em 1995, em Coimbra. Actualmente, utiliza o vídeo e a performance como principais meios expressivos, recorrendo ao uso do seu próprio corpo sem intenção autobiográfica. As suas obras focam-se na exploração da memória, verdadeira ou fabricada, e da solidão

O desafio para criar peças artísticas a partir da exposição partiu do museu à unidade de ensino do Politécnico de Leiria e iria resultar numa exibição colectiva a partir da semana de trabalho.

A inauguração estava programada para o Dia Internacional dos Museus, a 18 de Maio, porém, a teia do destino e uma pandemia trocaram as voltas aos planos. As peças definitivas ainda não podem ser vistas pelo público, mas, no site da ESAD.CR, as alunas publicam, de 15 em 15 dias, imagens, pensamentos maturados, fases do processo que levará o espectador até às peças finais.

Juju Bento
Natural de Abrantes, onde nasceu em 1999, aborda a marca deixada pelo corpo humano no tempo e a força das suas formas. São temáticas de um processo criativo reflectido a partir de pesquisa recorrendo a vídeo e fotografia, para dar forma a esculturas, estruturas e pinturas

A ideia é que, até ao final do ano, a mostra possa ser mostrada no espaço expositivo de Leiria. Afinal, foram pensadas para ocuparem aquele recinto. É um crescendo que roça a cinematografia. Mantém o público na expectativa, até ao clímax da narrativa. Vamos conhecendo, passo a passo, os elementos recolhidos, os trabalhos prévios, as realidades contactadas, os movimentos, as texturas, a luz, os pantones de cor.

Luna Gil
Nasceu no Porto, em 1999. Estuda o volume e as formas, num processo criativo predominantemente intuitivo. Presentemente, trabalha a ideia de prótese como meio de ligação entre materiais diversos e questiona o seu lugar no tempo

“Se a mostra das peças finais se limitasse a ser online, o público perderia muita coisa. Por exemplo, a minha peça faz uso da fundição de plástico sobre pedra... Como poderia mostrar isso?”, interroga Luna Gil.

Durante a residência artística, que decorreu entre 17 e 22 de Fevereiro e resultou de uma parceria entre o espaço museológico, autarquia de Leiria, Associação Casa das Artes da Reixida/Espaço Serra e a ESAD.CR., as jovens (con)viveram, no museu, com vários ícones do design e do mundo do plástico do século XX, visitaram o atelier do artista plástico Nuno Sousa Vieira, na antiga e devoluta fábrica de plásticos Simala, nos Pousos (Leiria), conheceram uma outra fábrica de plásticos, esta em laboração (Fábrica Santo António), e dedicaram-se à criação no Espaço Serra.

Maria Matias
Natural de Caldas da Rainha, onde nasceu em 2000, o seu trabalho reflecte a relação intensa e espontânea com a matéria-prima. Transmuta materiais não tradicionais sintéticos e antinaturais em formas livres, naturais e biomórficas

O plástico, que já foi considerado a mais democrática das matérias-primas, embora bastas vezes mal utilizada e desperdiçada, permite justamente a “plasticidade”. O que se vê, à primeira vista, não é necessariamente o seu signo e as mensagens, embora à vista, não são logo descodificadas. As alunas da ESAD.CR sabem-no bem. Aliás, estão habituadas a trabalhar estes conceitos.

A título de exemplo, Filipa já trabalhou e criou instalações a partir de inusitados e vibrantes brinquedos antigos em plástico, Rafaela interessa-se pelas cores nesse material e Luna aborda a sua conjugação com materiais como o gesso e a natureza.

Rafaela Silva
Nasceu em 2000, em Lisboa. A letra, a palavra e a frase são elementos que usa enquanto algo que tem um significado imposto ou com uma mera forma. O universo digital é um dos seus pontos de interesse, actualmente. Interessa-se por fotografia e pela sua modificação extrema

“Visitámos uma fábrica, percebemos os processos de produção e a questão das cores foi muito intensa”, conta Luna. Na verdade, passado pouco tempo estavam todas a abordar a cor dominante do ambiente. O azul. Encontraram-no nas máquinas do chão de fábrica, nas roupas, na exposição Plasticidades, na residência.

Deram por si com a atenção focada naquele tom e nas propriedades de modelação e conformação do plástico. A reprodução em série e a obrigação de função deste mundo diverge, igualmente, do seu processo criativo.

“Estamos habituadas a fazer coisas únicas e isso contrasta com o trabalho automático e exaustivo de máquinas e trabalhadores. Esta característica permitiu a algumas de nós fazer uma reflexão artística com o corpo.”

“Estamos habituadas a fazer coisas únicas e isso contrasta com o trabalho automático e exaustivo de máquinas e trabalhadores. Esta característica permitiu a algumas de nós fazer uma reflexão artística com o corpo.”

As jovens preocuparam-se com assuntos que tocam várias questões; experiências emocionais, trabalho de pesquisa em arquivos e até a reutilização de materiais no atelier de Nuno Sousa Vieira, numa casa que, outrora, estava viva a produzir plástico.

“O que mais me motivou, foi a ideia de produção em massa, de um ciclo ou de um numeral. A fábrica foi o que mais me fascinou; aquela repetição da injecção dos objectos”, recorda Luna.

Para o director da ESAD.CR e também artista plástico, João dos Santos, a “Plasticidade é uma exposição que celebra uma região e a cultura material do conhecimento e adaptação dos materiais plásticos à economia, à ciência, ao entretenimento e ao bem-estar, ou mal-estar, social”.

O processo criativo durante esta residência, sublinha, foi complicado por um “desastre de dimensão global”, a pandemia de Covid-19, que afectou a forma de expor, de pensar e de fazer.

“A plasticidade das práticas envolve um enriquecimento da reflexão crítica e ecológica, mas também dos modos de materializar num espaço estendido e num tempo extra- ordinário nas suas múltiplas dimensões.”