Sociedade
Escola em casa e teletrabalho: um cocktail que desespera pais
Alunos não estão de férias e tentam cumprir todas as actividades enviadas
“Não são férias.” A mensagem do ministro da Educação, insistentemente proferida após o encerramento das escolas, foi acolhida pelos professores como uma ordem para trabalhar.
Sem qualquer orientação por parte da tutela, como revelam alguns docentes, os professores arregaçaram as mangas e organizaram um conjunto de tarefas diárias para os alunos cumprirem, como se estivessem na escola.
Se os estudantes foram para casa ter aulas, muitos pais também foram obrigados a manter a sua actividade em teletrabalho. Quem tem filhos pequenos, sobretudo, tem desesperado para conseguir conciliar o seu trabalho e os… afazeres dos filhos.
“Sinto-me frustrada”, desabafa Filipa Sousa. Com dois filhos de 9 e 3 anos, na primeira semana em casa entrou em desespero. “Não conseguia dar conta do meu trabalho e do deles. O mais velho tinha imensas tarefas da escola. O mais pequeno sempre a chamar a atenção e a desconcentrar o irmão e eu a ter de cumprir as actividades laborais.”
Estabeleceu um horário para o filho mais velho, como se estivesse na escola. “Mesmo assim é difícil cumprir. A professora enviou mais de uma vintena de e-mails. Gerir tudo isso foi terrível”, confessa. Esta mãe, divorciada e com os dois filhos à sua responsabilidade, acabou por deixar de trabalhar.
“Já não aguentava mais. Os professores deveriam ter noção que em casa o contexto é todo ele diferente. Os pais estão a trabalhar, há irmãos, há dúvidas, nem sempre há impressora ou acesso a determinados programas...”
Sandra Jesus, que está em teletrabalho, passou pelo mesmo na primeira semana com o filho mais novo. André, com 11 anos e no 6.º ano, recebeu um sem número de fichas das diferentes disciplinas.
“A primeira dificuldade surgiu com a forma como alguns documentos e tarefas foram enviadas. Não sou propriamente infoexcluída e tive alguma dificuldade em descarregar algumas informações e em aceder a determinadas plataformas. Por acaso tive a facilidade de trazer o computador do trabalho para casa, ficando o nosso disponível. Mas tenho outro filho de 15 anos e os dois tiveram de gerir o equipamento”, adianta Sandra Jesus.
A “avalanche de trabalhos” de André leva-o a interromper a mãe várias vezes. “Há fichas que até podem nem ser muito complicadas, mas o facto de eu estar ali ao lado acaba por o levar a pedir-me ajuda.”
O filho mais velho, no 10.º ano, já é mais autónomo e já teve aulas online. Mas, nem tudo é mau. Há docentes que tentam inovar e ser criativos. O professor de Educação Física de André fez um vídeo com sugestões de exercícios para serem feitos em família, de preferência. “Acabou por ser muito divertido”, admite.
Vídeo ‘passa’ exercícios de Matemática
Também o docente de Matemática de Diogo, 13 anos, apelou ao sentido criativo para passar exercícios aos estudantes. “O professor criou um canal no youtube e faz vídeos em locais diferentes da casa, como no telhado, no jardim… E depois de dar um contexto engraçado sobre a situação que estamos a viver, introduz as tarefas a cumprir. A abordagem acaba por motivar os miúdos, que estão fechados em casa longe dos colegas e professores”, conta Sandra Pires, outra mãe em teletrabalho.
Além de Diogo, em casa há também o Afonso, de 10 anos. A encarregada de educação confessa que não é fácil gerir toda a logística.
“O Afonso tem trabalhos de todas as disciplinas, inclusive de Religião e Moral, com datas para entrega. Os professores vão colocando tarefas no moodle, mas não há qualquer articulação entre eles. Os miúdos acabam por ficar perdidos e nós, pais, que também estamos a trabalhar em casa, temos de lhes dar apoio.”
Sandra Pires lamenta que a maioria dos docentes não se tenha disponibilizado para esclarecer dúvidas online. “Era muito importante o contacto directo com o professor. Compreendo que todos se estão a adaptar, mas se a ideia é garantir que os alunos consolidem a matéria não me parece que esta ideia passe para eles como uma mais-valia.”
Esta mãe sugere que, se a situação se prolongar no tempo, os docentes encontrem outras estratégias para garantir a proximidade com os alunos e tornar as aulas verdadeiramente produtivas.
“Hoje em dia existem tantas aplicações para reuniões à distância, que pode ser feito em computador, tablet ou telemóvel, que deveria ser uma das principais opções escolhidas pelos professores.”
Fátima Silva, mãe de uma menina no 6.º ano, passa o “dia inteiro a dar-lhe apoio nos trabalhos”.
“Até de Educação Visual e Tecnológica há tarefas. É um desespero passar o dia ao seu lado para ela fazer tudo o que lhe é enviado”, desabafa, ao confessar que enfrenta ainda a “preguiça” da filha, que o contexto não ajuda. “De vez em quando fazemos uns passeios higiénicos ou subimos e descemos as escadas do prédio para espairecer. Mas nada disto é fácil.”
Aulas por videoconferência
No ensino secundário já há docentes a trabalharem com novas tecnologias. João Domingos está no 12.º ano e, além de exercícios enviados por e-mail, também tem tido aulas online.
“Os professores marcam uma hora e fazemos videoconferência.” Se algum aluno não conseguir estar ‘presente’, a aula é gravada e disponibilizada. Já a professora de Matemática “faz o resumo da aula, explica todos os passos por escrito e partilha, dando indicações das páginas e exercícios do livro onde se pode tirar dúvidas”, refere João Domingos, 17 anos.
Para o jovem, a forma como está a ser gerido todo este processo pelos seus docentes está a funcionar. “Consolidamos a matérias, tiramos dúvidas e não nos atrasamos.”
Telma Jordão, professora do 1.º ciclo, admite que manda actividades em “menor número” do que as que realiza na sala de aula. “Não tivemos qualquer orientação superior. Não nos foi dito se deveríamos consolidar a matéria ou avançar para novos conteúdos. Segui o bom senso. Esta é uma situação completamente nova e também tentamos ajudar as famílias. Como a minha turma já usa a plataforma ClassDojo fui colocando tarefas, as respectivas soluções e alguns vídeos.”
Após a primeira semana, Telma Jordão fez o balanço com os pais. “Pediram para que eles sentissem a presença da professora. Passei a gravar vídeos, em que digo bom dia, peço para abrirem os cadernos, indico as tarefas… tudo como se estivéssemos numa sala de aula.”
A opção de Telma Jordão foi por consolidar a matéria. Apenas avançou conteúdos no Estudo do Meio, “uma disciplina de que gostam muito”. “Mandei alguns vídeos para lhes continuar a aguçar a curiosidade.”
A docente admite que possa haver excesso de trabalhos em algumas situações, mas também alerta: “se calhar os pais não faziam ideia de quanto é que os filhos trabalham na escola.”
João Pereira, docente de Português do ensino secundário, optou por consolidar matéria e avançar com alguns conteúdos novos.
“Envio-lhes textos para lerem e algumas tarefas, mas apenas nos dias em que teríamos aulas. Não os sobrecarrego, porque sei que têm várias disciplinas. Indico um prazo e eles têm de me enviar os trabalhos até lá.”
O docente confessa que também se está a adaptar a esta nova realidade”.
“Não há uma interacção entre professor e aluno e não percebo como estão a trabalhar. Também não há indisciplina”, lança, em jeito de brincadeira.
Se a situação se prolongar no 3.º período, João Pereira admite avançar para aulas por videoconferência.