Sociedade
Estamos a criar filhos 'totós'
Ir para a escola sozinho, brincar na rua depois do anoitecer, subir às árvores ou até mesmo aventurar-se a ir de bicicleta à padaria da esquina são coisas do passado. A maioria dos pais da geração dos 35-45 anos estão a criar filhos sem autonomia
“Não corras porque cais”. “Não subas à árvore porque partes um braço”. Tirar as rodinhas da bicicleta? “Cuidado, porque pode magoar-se.” Estas e muitas outras expressões são uma constante nas bocas dos pais da geração dos 35-45 anos, que parece terem-se esquecido do que é ser criança.
Quando eram pequenos muitos foram rebeldes e desafiaram o perigo constantemente. No fundo, dizem os especialistas, fizeram aquilo que se espera que uma criança faça: arriscar e aventurar-se. Mas, enquanto pais, são incapazes de se libertar do instinto protector e pecam por excesso.
Esta superprotecção está a criar futuros adultos inseguros, com fraca auto-estima e com pouca resiliência e autonomia. O desistir facilmente e a dificuldade em superar problemas são, muitas vezes, resultado de um controlo excessivo que viveram por parte dos pais, que os impediram de correr riscos que os ajudaria a ficar preparados para enfrentar 'verdadeiros perigos'.
Recuperando os dados recolhidos pelos investigadores da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, que constam num estudo sobre a independência e a mobilidade das crianças em Portugal, divulgado em 2013, constata-se que apenas 35% das crianças do 3.º ao 6.º ano fazem o trajecto entre casa e escola a pé e mais de metade vai de carro.
Com a mesma idade, 86% dos pais iam a pé e apenas 9% de carro. O resultado do estudo coloca Portugal em 10.º lugar na independência e mobilidade das crianças, comparando com os restantes 15 países avaliados.
Os mais autónomos são os jovens da Finlândia, Japão e Noruega. A justificação dos pais para travarem uma maior autonomia dos filhos tem a ver com o medo. De quê? “De acontecer alguma coisa.” Karina Guergous admite que é “muito superprotectora”.
“Apesar da escola ser perto só há dois anos é que deixo os meus filhos irem sozinhos”, confessa, referindo que as duas gémeas têm 17 anos e o rapaz tem 15 anos. Esta franco-argelina radicada em Pombal enfrentou alguns riscos enquanto adolescente e, por isso, quer “proteger” os filhos.
“Vivia em Paris e quando andava no 5.º ano ia sozinha para a escola e, por várias vezes, fui abordada por adultos perversos. Na adolescência é fácil perder o controlo: andamos à procura da nossa identidade e é fácil experimentar droga e álcool ou entrar em grupos criminosos”, salienta Karina Guergous confessa que a sua experiência de vida a tornou “mais severa” com os filhos.
“As gémeas são muito bem comportadas, nem têm nada a ver comigo, que fui muito aventureira. O meu filho já é muito mais parecido comigo na abertura para o mundo. Talvez agora já o deixe explorar um pouco mais, pois Pombal é uma cidade mais segura. Mas eu poderia ter sido raptada e não quero que os meus filhos passem por situações dolorosas.”
Esta mãe, que ainda tem outra menina com um ano, considera que “ter a noção do perigo” e do que poderia ter acontecido “torna os pais mais protectores”. Karina Guergous desconhece que consequências poderá causar esta protecção extrema, mas afirma que a “relação aberta” que mantém com as crianças – “sem ser amiga” - os ajuda a preparar para o futuro.
“Acredito que se forem confrontados com uma situação complicada vão saber reagir.” Garantindo que não dá aos filhos a liberdade que a mãe lhe deu, esta mãe sabe que se “deve dar asas para os filhos voarem”.
“Sei que me estou a contradizer com o que faço na prática.” Medo domina os pais Também Patrícia Ervilha, mãe de uma criança com 8 anos, confessa que o medo é que faz, dela e “sobretudo” do marido, uns pais superprotectores.
“Quando era pequena ia de autocarro para a escola. Hoje seria impensável deixar o meu filho fazer isso. Tenho consciência que não lhe dei a mesma autonomia que os meus pais me deram a mim. Fazemos tudo por eles e a culpa é nossa”, admite.
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