Sociedade

João Morais: “O Centro Hospitalar de Leiria é hoje uma escola de formação médica”

5 mai 2016 00:00

O director do Serviço de Cardiologia e do Centro de Investigação do Centro Hospitalar de Leiria, considera “um disparate” prolongar a vida sem qualidade. Diz que os hospitais "não têm outra hipótese que não seja a de trabalhar em défices crónicos".

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Maria Anabela Silva

Defende que a investigação deve ser uma das prioridades do Centro Hospitalar de Leiria (CHL). Que reflexo terá essa aposta no doente?
Um hospital que faz investigação é um hospital melhor. A investigação dá rigor. E quem é rigoroso a fazer investigação, naturalmente, é rigoroso a tratar doentes ou a operar.

Por que é que o hospital de Leiria só agora definiu a investigação como uma prioridade?
Nos últimos 8 a 10 anos, este hospital desenvolveu-se de forma muito consistente. Desenvolveu a actividade assistencial, que cresceu muito, diferenciou-se, modernizou-se e criou novas áreas tecnológicas. Com isso, tornou-se mais atractivo para os jovens médicos e foi desenvolvendo o ensino da medicina. O CHL é hoje uma escola de formação médica, acolhendo todos os anos perto de 130 internos em formação. Só falta uma ponta para completar o triângulo: a investigação. É verdade que não somos hospital universitário, mas mal de nós se pensarmos que a investigação é apenas para os hospitais académicos. Temos de nos pôr em bicos de pés e dizer que somos capazes de fazer investigação. Aqui sempre se fez investigação. Só que agora temos uma investigação mais rica e, fundamentalmente, mais organizada e mais vistosa. E, como damos mais nas vistas, somos mais procurados e convidados para participar em projectos.

Foi fácil passar a mensagem da importância da investigação aos pares e à administração?
Obviamente que não foi fácil. O nosso Conselho de Administração (CA) já mostrou o que vale, conseguindo criar um hospital com duas acreditações atribuídas pela entidade mais exigente do mundo, a JCI [Joint Commission Internacional]. Quando achámos que estavam reunidas as condições ao nível da actividade assistencial, da modernização e do ensino, eles próprios perceberam que faltava um vértice no triângulo. Não tive de lhes explicar muito.

E em relação aos pares?
A situação é complexa. Vivemos hoje grandes dificuldades nos hospitais, com uma enorme carência de pessoal médico e não médico. A actividade de investigação em hospitais como este é sempre on top, ou seja, em cima de tudo o resto. Nos hospitais universitários devia haver tempo específico para investigação, mas na prática isso não acontece. O CA está preocupado com a produção do hospital, porque é dessa forma que a instituição é financiada. Não é fácil aliviar em alguma coisa para se fazer investigação. Como em todo o lado, os jovens são motores da investigação e só não o são mais porque esta área tem um peso muito modesto na avaliação dos nossos internos. A Suécia, por exemplo, define que um hospital para ser considerado de qualidade tem de ter, pelo menos, 30% dos seus doentes inseridos em ensaios clínicos. A integração em projectos de investigação é uma exigência. Em Portugal, estamos longe desse patamar, mas já existem sinais de mudança. Nos últimos dois anos saíram vários diplomas que indiciam que a tutela está, finalmente, a pensar nisso.

Nos últimos anos, o CHL tem conseguido captar muitos internos, mas depois sente dificuldade em mantê-los após a formação. Por que é que isso acontece?
Ainda não somos tão competitivos como gostaríamos. O que tem acontecido em hospitais como o nosso é que alguns concursos ficam com vagas por preencher. Por questões de comodidade as pessoas não querem sair dos grandes centros, mesmo que isso implique trabalhar no privado. O passo seguinte é afirmarmo-nos, de tal forma, que um jovem que acabe a sua especialidade se sinta atraído por trabalhar num hospital com características como o nosso e que não fique em Coimbra, Lisboa ou Porto. Na cardiologia temos bons exemplos. Dos últimos quatro especialistas que integrámos, dois estavam a trabalhar noutro sítio e dois acabaram a sua formação e optaram por vir para Leiria.

A que se deve a essa capacidade de atracção da cardiologia?
É um serviço com futuro, que está destinado a ter sucesso. E os jovens gostam disso. É um serviço muito organizado e tecnologicamente muito evoluído, que tem conseguido mostrar para onde quer ir.

Ainda há margem para progredir mais?
Há muito margem. Em áreas como a cardiologia, que é muito tecnológica e onde a novidade é permanente, nunca podemos dizer que atingimos o patamar que queríamos. O limite não é o céu. Não é o querer copiar o CHUC [Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra]. Temos a noção clara da nossa dimensão e das nossas limitações, mas também sabemos até onde podemos ir. Ainda temos uma equipa pequena, composta por nove médicos e três internos. É mais do que tínhamos há cinco anos - quatro ou cinco médicos e nenhum interno –, mas ambicionamos ter entre 12 a 14 seniores e quatro ou cinco jovens permanentemente em formação. Tirando a cirurgia cardíaca, que é outro mundo, resolvemos mais de 80% das situações. Do que resta, há 15% que devíamos ser capazes fazer. Só que isso envolve desafios muito grandes do ponto de vista estrutural e financeiro.

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