Viver
Letra. Há um abrigo para a poesia sonora em Leiria que é um festival de liberdade
Jaap Blonk e Alfredo Costa Monteiro entre os artistas que participam na edição deste ano
Dois dias para a poesia sonora, que mostram o “último reduto” onde se procura “como dizer”, mas, por outro lado, “como calar”, adianta Sal Nunkachov. “O que é que se pode fazer com as palavras? O que é que se pode fazer com a voz? É essa a proposta”, diz o director do festival Letra, que na segunda edição traz a Leiria o neerlandês Jaap Blonk, “talvez o poeta sonoro mais conhecido da actualidade”, entre outros, como o português Alfredo Costa Monteiro, actualmente radicado em Barcelona. “A letra é essa ideia de desconstrução máxima. Todas estas pessoas estão a operar a linguagem num nível de desconstrução, de alguma forma, que é construção, também”.
Jaap Blonk, Alfredo Costa Monteiro, Luana P. Novo, Nu No, Joana Moher, Paula Cortes, Sara de Oliveira, Luís Perdigão e Nuno Piteira são os artistas envolvidos no evento que assinala três anos da loja e galeria da editora Paper View (dirigida por Sal Nunkachov) e que este ano tem um formato mais intimista, e concentrado, com apresentações no Teatro Miguel Franco, na Void, na Igreja da Misericórdia e no Atlas.
“Boa poesia sonora é uma forma de comunicação muito directa. A imaginação de quem ouve pode divagar livremente”, salienta Jaap Blonk, que na sessão de sexta-feira, 21 de Novembro, vai apresentar poemas novos e outros mais antigos, incluindo alguns numa linguagem inventada que soa como neerlandês, embora sem significado semântico.
“O puro prazer de produzir sons” e a tendência para “pesquisar e compor estruturas” atraíram o músico e artista visual, “há mais de 50 anos”, para o que chama de “terra de ninguém entre a literatura e a música”, onde existe “liberdade para criar” e “nenhumas regras”.
Ainda na sexta-feira, Alfredo Costa Monteiro prevê entregar ao público peças em francês, português, espanhol e inglês, uma delas nunca experienciada anteriormente em directo. Exploram “polissemias, homofonias, translinguismo” e a “fragmentação da palavra”, entre outras vias de trabalho.
“Tento manter um certo equilíbrio entre fonética e semântica: o ruído como impossibilidade de entendimento, assim como a repetição que ajuda a garantir uma certa compreensão, mesmo na presença de interferências”, explica. “Todos esses factores vão criando tensões, mas também criam caminhos entre a linguagem e o que nela se esconde”, conclui. “No fundo, talvez o que busco é uma linguagem interior que faça eco ao ruído do mundo”.
Tanto Jaap Blonk como Alfredo Costa Monteiro se encontram editados através da Paper View e respectivo braço sonoro, a Hearsay, e ao longo do fim-de-semana, nos vários espaços a visitar pelo festival, estes e outros livros e discos vão estar disponíveis para aquisição.
Preparado em co-organização com o município e o Café Central, o programa busca “a máxima diversidade”, aponta Sal Nunkachov, e tenta proporcionar “algum debate” entre os espectadores e com os autores e performers.
No sábado, 22 de Novembro, destaque para a presença de Paula Cortes, a interpretar Teatro, de Emma Santos, sobre confinamento e repressão nas instituições psiquiátricas, com tradução de Valério Romão e encenação de Sal Nunkachov; Sara de Oliveira, de Leiria, com manipulação ao vivo de fitas analógicas de discursos e orações; e Luís Perdigão e Nuno Piteira, com o espectáculo 2700 Dias de Ferro, que cruza spoken word, vídeo e música.
Em 2025, o Letra presta homenagem a Eugen Gomringer, precursor da poesia concreta, falecido em Agosto aos 100 anos.