Sociedade
“Os gajos do Osso da Baleia” que deram uma praia a Pombal
“Hoje, matavam-me!”, brinca Artur Oliveira, um dos homens que abriu a estrada para o Osso da Baleia, nos anos 70, em terrenos privados e mata nacional. Foram dois anos de trabalho, sem qualquer apoio
Em Abril de 1977, um grupo de homens da freguesia do Carriço, Pombal, meteu mãos à obra para abrir uma estrada que permitisse usufruir da praia do Osso da Baleia, agora, uma reconhecida “Praia dourada”.
Artur Marques de Oliveira, hoje com 76 anos, natural de Silveirinha Pequena, era o “presidente da comissão” que abriu uma via com quilómetros de extensão, por terrenos privados e mata nacional e deu à população do concelho de Pombal a sua primeira e até agora, única praia.
“A ideia foi minha. Não foi de mais ninguém”, conta, recordando o esforço sem um cêntimo de ajuda.
Artur é o único elemento dessa comissão que está vivo.
Tudo começou porque o antigo industrial da cerâmica e empresário “precisava de lá [na praia] fazer uma festa” e, para isso, era preciso abrir caminho.
Determinado em criar um acesso, pediu aos seus irmãos Manuel e José e ainda a Carlos Fernandes, José Jacinto, Carlos Cação e a Manuel Ferreira, que o ajudassem.
O início do troço atravessava quilómetro e meio em terrenos privados, onde foi preciso cortar pinheiros, antes de chegar à Mata Nacional do Urso.
“Se fosse hoje, matavam-me!”, brinca.
Depois, faltavam mais quatro quilómetros e meio até ao areal.
“Precisávamos de uma máquina pesada. Em conversa com um antigo militar da Gala, o capitão Armando Pinto, decidimos ir ao Regimento de Engenharia de Espinho e pedi-la.”
O bulldozer chegou e começou a abrir o trilho, mas não sem chamar a atenção à Guarda Florestal.
Um dos guardas apareceu e foi pedir satisfações à “meia-dúzia mais um”, que se atrevia a terraplanar e a derrubar pinheiros do Estado.
“Disse-lhe que éramos a ‘comissão organizadora da abertura da estrada para o Osso da Baleia’, que a máquina era do exército e íamos abrir aquilo. O homem ficou todo atrapalhado e a pensar: ‘estes gajos querem abrir uma estrada na mata nacional?!’”, conta.
Através de um velho rádio, o atarantado guarda-florestal contactou Coimbra e lá os deixou fazer a terraplanagem, após a luz verde dos serviços florestais.
O empresário havia escrito uma carta ao Ministério da Agricultura e, efectivamente, tinha autorização.
“A nossa ideia era desenvolver a praia e até chegou a haver um projecto”, recorda o “presidente da comissão”.
“Durante mais de dois anos, fomos aos sábados. E o almoço era garantido pelo Armando Pinto, que tinha um comércio de peixe e me dava caixas de sardinha.”
O empresário diz que, por alto, terá gastado, pelo menos dez mil contos em materiais, ou cerca de 50 mil euros do seu bolso, uma pequena fortuna à época. A autarquia alegou sempre que não tinha verba para o ajudar.
“Quem deu dinheiro e máquinas fui eu e os meus três irmãos. Os outros deram o trabalho. Foram sacrificados com esta história e a culpa é minha que lhes arranjei aquele trabalho. Quando cheguei aos dois quilómetros, já estava com uma despesa maluca.”
Para ajudar, foi criada outra comissão em Pombal com a missão de angariar fundos, mas, sentindo que o dinheiro não aparecia, Artur começou a ter dúvidas.
“Aquilo nem andava, nem desandava. ‘Vou parar isto’, pensei, mas depois reflecti melhor.”
Quando o caminho, ainda com uma camada superior em simples saibro, ficou concluído, os veraneantes começaram a ir à praia.
“Hoje, ninguém sabe quem abriu a estrada”, diz e lamenta que, 46 anos depois, nem a Câmara do Pombal, nem a junta de freguesia se lembrem deles.
“Os gajos do Osso da Baleia estão esquecidos. Metemos na praia uma placa com nome da comissão, mas, com as obras de melhoramentos, andaram, andaram, até que ela desapareceu.”
Mas o que realmente incomoda Artur é a oportunidade perdida de desenvolvimento como zona balnear com turismo.
A Câmara de Pombal chegou a pedir ao arquitecto José Fava um projecto urbanístico.
“Era um plano com uma rua à frente, com casas de rés-do-chão. Na rua de trás, havia primeiros andares, e, na outra, segundos. Era lindo! Mas o presidente da câmara na época, o Guilherme Santos, disse-me que, enquanto fosse presidente, aquilo não avançava.”
A praia do Osso da Baleia ainda é recordada pelos homicídios do bancário da Marinha Grande Vítor Jorge, no final dos anos 80.
“Fiquei magoado quando aquilo do Mata-sete aconteceu. Tivemos tanto trabalho e ele deu mau nome ao Osso da Baleia. Quando aconteceu, fui lá. Estava muita gente. Fiquei triste com aquela história… Arranjámos o caminho. Mas ele já morreu. Que tenha paz lá no céu.”