Sociedade
Rui Pedrosa: “A evolução de politécnico para universidade não é de todo um capricho”
O vice-presidente para a investigação e inovação do Instituto Politécnico de Leiria explica a dificuldade na contratação de investigadores e sublinha que ser universidade não é uma questão de semântica
Com as responsabilidades executivas que assumiu não sente falta de meter as mãos na massa?
Felizmente, continuo a estar envolvido em projectos de investigação. O que não faço é estar no laboratório, a pipetar, tarefas que a partir de certa altura deixam de fazer sentido. Neste momento, três estudantes de doutoramento por mim orientados, que receberam bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), são os meus braços e também parte do meu cérebro. Como investigador principal submeti um projecto à FCT, que foi dos poucos financiados a nível nacional. Quero encontrar novas moléculas para fins terapêuticos para as doenças tumorais utilizando algas e moléculas que possam ser encontradas na nossa costa.
Vale a pena fazer investigação sem retorno directo e instantâneo para a sociedade?
O nosso foco passa pela investigação que tenha retorno mais directo para a sociedade, mas vale a pena. Não tenho dúvidas de que se a sociedade investe nas instituições de ensino superior, estas têm de estar ao serviço da sociedade. No entanto, não devemos perder o ideal de ter sonhos. Numa área de desenvolvimento de novos fármacos, por exemplo, não devemos deixar de acreditar que podemos encontrar uma nova molécula que possa ser a cura e a terapêutica de uma patologia. Pode não ter retorno directo amanhã. Pode ter daqui a 50 anos ou não ter, de todo. Quando estamos a trabalhar nestas áreas da investigação fundamental, em que o retorno pode não ser imediato, temos de perceber que estamos a gerar conhecimentos que podem ser incorporados no desenvolvimento de novos produtos que até podem chegar rapidamente ao mercado.
O mar foi-lhe imposto quando foi trabalhar para Peniche?
O meu doutoramento estava ligado à medicina: encontrar novos alvos terapêuticos para a hipertensão arterial. Nada tinha que ver com o mar a não ser – e por piada – o sal. Na altura em que concorri para o lugar sabia que a Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar (ESTM) estava a iniciar uma fase de crescimento e a fazer uma aposta muito grande nos recursos e na biotecnologia marinhos. Tive a noção que teria de mudar de área científica, mas que deveria utilizar o meu conhecimento de background para contribuir para o desenvolvimento desta nova área. A ponte foi fácil, porque utilizava modelos de células tumorais humanas e de outros animais para testar alguns fármacos e estudar alguns mecanismos de sinalização intracelular. Percebi que podia utilizar os mesmos modelos na pesquisa de novas moléculas de origem marinha que pudessem ter aplicação terapêutica. É isso que estamos a fazer na área dos recursos marinhos, onde existem vários produtos no mercado que têm por base muito do conhecimento que vem desta linha de investigação mais de sonho, normalmente designada por blue sky research. Uma investigação de topo, mas que pode e deve verter para a sociedade o mais depressa possível.
É no mar que está o futuro?
Portugal tem no mar uma oportunidade, mas temos de começar a ter mais exemplos concretos. Não tenho dúvidas de que tendo em conta a dimensão, o número de organismos, a importância até para o oxigénio que respiramos, o futuro estará sempre no mar. Agora, pode estar mais ou menos directamente associado à economia, ao emprego e ao conhecimento. Da parte do Instituto Politécnico de Leiria, a área do mar é estratégica e o investimento no Cete Mares é prova disso. Na região Centro somos os principais actores na área da ciência e tecnologia do mar e somos claramente quem tem mais projectos de investigação com empresas, produtos no mercado e desenvolvimento que possa ser industrializável em relação a produtos alimentares marinhos.
Sendo a Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Portugal a maior da Europa, por que estamos a demorar tanto tempo a aproveitar o mar?
Em termos históricos houve algumas décadas em que estivemos de costas voltadas para o mar. Olhávamos para a Europa da terra, mas esquecendo que a ZEE também é Europa e também é valor. Por outro lado, o nosso mar tem exigências, pela sua grande dinâmica, pela sua força, que para algumas áreas se torna muito mais difícil explorar do que o Mar Mediterrâneo, por exemplo. Ou até a Galiza, onde existem algumas rias que têm, em termos de perfil, correntes, estabilidade e pouco impacto da ondulação, condições perfeitas para o tipo de aquacultura que se lá faz, associada aos bivalves. Fazer isso em offshore no mar que temos nesta costa é muito mais difícil. Agora, retirar conhecimento, aplicá-lo em biotecnologia marinha para desenvolvimento de novos produtos, encontrar novas espécies que possam ser utilizadas para a área alimentar, utilizar algum do potencial para as energias renováveis e apostar cada vez mais forte em turismo de valor acrescentado associado a experiências ligadas ao mar, isso, temos de fazer cada vez mais.
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