Sociedade

Valdemar Alves recorre de condenação: “Pena é equivalente a prisão perpétua”

4 abr 2022 14:37

Ex-presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande foi condenado a sete anos de prisão no processo da reconstrução das casas afectadas pelos incêndios de 2017

valdemar-alves-recorre-de-condenacao-pena-e-equivalente-a-prisao-perpetua
Redacção/Agência Lusa

O ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, condenado a sete anos de prisão no processo da reconstrução de casas após os incêndios de 2017, considerou a pena desumana, no recurso entregue no Tribunal Judicial de Leiria.

“A pena de sete anos de prisão sem suspensão aplicada ao recorrente [Valdemar Alves] é desumana (…) e é equivalente a prisão perpétua”, lê-se no recurso a que a agência Lusa teve hoje acesso, que recorda a idade do arguido – 73 anos – e o seu estado de saúde.

Em 31 de janeiro, Valdemar Alves foi condenado a sete anos de prisão pela prática de 13 crimes de prevaricação de titular de cargo político e 13 crimes de burla qualificada, alguns dos quais na forma tentada.

Foi também condenado ao pagamento solidário com mais 12 arguidos (entretanto uma arguida morreu, pelo que se extinguiu a sua responsabilidade criminal) dos pedidos cíveis formulados pelo Fundo Revita, Misericórdias Portuguesas/Fundação Gulbenkian e Cruz Vermelha, totalizando 406.195,54 euros.

O Revita, criado pelo Governo, é um fundo de apoio às populações e à revitalização das áreas afectadas pelos incêndios de junho de 2017. Agrega a recolha de donativos em dinheiro, em espécie de bens móveis ou em serviços. Tem um Conselho de Gestão e uma Comissão Técnica.

No acórdão, o colectivo de juízes sustenta que Valdemar Alves e o ex-vereador do Município de Pedrógão Grande Bruno Gomes (condenado a seis anos de prisão) elaboraram um plano para fazer chegar mais dinheiro ao concelho, “através da aparência da necessidade de reconstrução de habitações não permanentes ardidas”.

Para o Tribunal, os antigos autarcas sabiam que, “com a aparência que criavam, através da narração de factos falsos, obtinham um benefício para os requerentes das habitações em causa e para o concelho de Pedrógão Grande, a que de outro modo não teriam direito (como, de resto, segundas habitações dos demais concelhos atingidos pelos incêndios não tiveram)”.

No recurso, Valdemar Alves afirma que não praticou nenhum dos 13 crimes de prevaricação, “uma vez que não actuou enquanto eleito local” (titular de cargo político), pois não foi nessa qualidade que foi designado membro da Comissão Técnica e do Conselho de Gestão do Revita.

“Os procedimentos administrativos em que o recorrente interveio eram processos do Fundo Revita e não era inerente às suas funções de presidente da Câmara”, salienta o documento, referindo que, ao contrário do que consta no acórdão, o Conselho de Gestão “não se fundamentou nas propostas emitidas” por Valdemar Alves ao decidir a concessão de apoios.

Acresce que os apoios a atribuir pelo Revita configuram subsídios ou subvenções, pelo que “não há qualquer prejuízo patrimonial para o Fundo”, com o antigo autarca a negar “responsabilidade decisória” perante “as entidades privadas que pretenderam efectuar doações” a vítimas dos incêndios.

O recurso foca-se, também, na questão das habitações permanentes, para sustentar que este fundo “teria como destino o financiamento à reabilitação, reconstrução e apetrechamento das habitações afetadas pelos incêndios” em Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria, “sem restringir expressamente esse financiamento a habitações permanentes”. Assim, as não permanentes “também poderiam ser apoiadas, não sendo, no entanto, prioritárias”, mas “a regra da prioridade foi cumprida”.

No documento, de 289 páginas, o arguido, através do seu advogado Bolota Belchior, destaca, igualmente, que “nada se provou” quanto à intencionalidade de Valdemar Alves ao actuar, “nem nada se provou relativamente ao conluio e prévio acordo” deste com Bruno Gomes.

Sobre a suposta “motivação política” do arguido, este assinala que “a obtenção de vantagem política não constitui crime”, frisando que não causou “enriquecimento ilegítimo a ninguém, através de erro ou engano, astuciosamente provocados sobre factos”.

“Faltam todos os elementos do tipo [legal de crime] na imputação que o acórdão faz à conduta do recorrente no que respeita aos crimes de burla”, argumenta ainda, para realçar também que não está quantificado o valor em que os outros municípios ficaram prejudicados.

Referindo que o acórdão condenou Valdemar Alves “por factos que ele não praticou”, o recurso acrescenta que, a entender-se que a actuação deste “pudesse ser ilícita, então, de acordo com os factos provados, ocorreu uma única resolução (…) e, portanto, existirá apenas um crime”.

No recurso, o arguido enumera as normas jurídicas que considera violadas, incluindo a Constituição, bem como os princípios jurídicos violados, e pede que seja dado como provado que todas as habitações permanentes foram reconstruídas, que nem as populações, nem os municípios de Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, nem o Fundo Revita, foram prejudicados e que sobrou dinheiro ao Revita, sendo que o seu Conselho de Gestão ainda não lhe deu destino.

Considerando que deve ser dado provimento ao recurso, absolvendo-se Valdemar Alves, o documento ressalva que, se assim não se entender, “em última análise”, a pena de prisão deve ser suspensa.