Opinião
Dois passos atrás, para avançar um
Quem são as famílias que mesmo com incentivos têm dinheiro para comprar um veículo elétrico ou um carro com uma matrícula mais recente?
O Governo apresentou o Orçamento do Estado (OE) para 2024 sobre três prioridades: reforçar os rendimentos, promover o investimento e proteger o futuro.
O OE de 2024 altera as regras de tributação do Imposto único de Circulação (IUC), agravando o imposto para carros anteriores a julho de 2007. Objetivamente, os veículos e motociclos com matrícula anterior a 2007 deixam de ser tributados com base na cilindrada (como acontece agora), passando a ser as emissões de CO2 destes veículos (por poluírem mais), a definirem a subida do imposto.
À partida, um proprietário de um veículo anterior a 2007 ou é uma pessoa que tem um “clássico” (e aí não haverá grande problema) ou é alguém que não tem dinheiro para adquirir um veículo mais recente. No segundo cenário, aumentar este imposto, para além de não consubstanciar uma medida ajustada face ao atual período económico e de crise que as famílias atravessam, não coincide com a prioridade do Governo de “reforçar os rendimentos”.
Quem é que não gosta de ter um carro novo ou um carro mais recente? Não nos esqueçamos que a crise financeira iniciada em 2007 (curioso, não?) conduziu a uma recessão global no ano de 2009, com a nacionalização de bancos, queda de governos, desemprego. Desde esse período e até aos dias de hoje, para um elevado número de portugueses, os salários e as pensões não acompanharam a subida dos preços das rendas e dos empréstimos, da alimentação, dos custos com a saúde...
Por mais que o Governo queira aumentar o IUC com a justificação de cumprir “exigências ambientais” e que vá propor a “criação de um incentivo ao abate de veículos antigos” para “promover a renovação do parque automóvel e a descarbonização do transporte de passageiros”, pergunta-se: quem são as famílias que mesmo com incentivos têm dinheiro para comprar um veículo elétrico ou um carro com uma matrícula mais recente?
Acredito no bom-senso do Governo e na revisão desta medida que, por mais importante se releve nos cardápios das metas ambientais, pesa, realmente, nas finanças de muitas famílias, alimentando a sensação de que se continua a “carregar” em quem menos pode.
Sem ligação teórica ao aumento do IUC, mas enquadrada na política económica global que comanda a égide do consumo e dos impostos, permitam-me, para finalizar e deixar à reflexão da nossa existência, algumas frases de um poema que a Cátia Oliveira leu quando recebeu um Globo de Ouro da SIC na categoria de Melhor Intérprete: “Vivemos o tempo dos Budas, das flores de plástico e das cómodas douradas”, “Vivemos o tempo mais corrido de sempre. Das metas, dos objetivos, do «nem que me esfarrape”.
Até quando, na lista das prioridades da vida coletiva e da vida individual, conseguiremos recentrar a importância das pessoas no meio de tanta coisa?