Editorial
Os rostos por trás dos números
Não estava definido, a priori, o que fazer com as vacinas que, por algum motivo, não pudessem ser administradas como previsto. Entretanto tem havido ajustes e novas indicações. Mas a polémica está lançada.
Mais do que números, os casos de Covid-19 (infecções e mortes) são pessoas reais, são rostos e histórias de vida. Percursos que a pandemia veio alterar, ou mesmo travar.
“Leva maridos, pais, irmãos, cunhados, tios, amigos de uma vida, colegas de trabalho, conhecidos, vizinhos do lado, os outros”, como refere a filha de uma das centenas de vítimas da pandemia, numa publicação de Facebook, que é pública.
Leva os outros e leva os nossos. Por mais cuidados que se tenham, por mais que se cumpram todas as regras, nem assim estamos totalmente a salvo.
O vírus não escolhe ricos ou pobres, novos ou velhos. Veja-se, aliás, que se os mais idosos continuam a fazer o grosso das estatísticas, também há cada vez mais jovens doentes e internados.
Janeiro foi o pior mês da pandemia.
No nosso distrito, o número de mortes aumentou 120% (de 222 registados no final de Dezembro para 489 a 31 de Janeiro), os casos activos mais do que triplicaram e do total de infecções diagnosticadas desde o início da pandemia mais de metade foram detectadas no último mês.
Os serviços de cuidados intensivos dos hospitais continuam no limite e os profissionais exaustos. Da Alemanha chegam esta semana médicos para nos ajudar na luta contra o coronavírus.
Ao mesmo tempo que vemos os números de novos casos e de mortos continuar a subir, sucedem-se as denúncias de que estão a ser vacinadas pessoas que não constam dos grupos prioritários.
O marido, a mulher, o irmão, o amigo de dirigentes da área da saúde, ou de responsáveis de lares...
A maioria dos argumentos apresentados refere que era vacinar essas pessoas ou deitar fora a vacina. Como muitas vezes acontece neste País, falhou a organização e a planificação. Não havia plano B.
Ou seja, não estava definido, a priori, o que fazer com as vacinas que, por algum motivo, não pudessem ser administradas como previsto. Entretanto tem havido ajustes e novas indicações. Mas a polémica está lançada.
Vacinar quem está ali ‘à mão’ ou deitar doses para o lixo? Se haverá naturalmente casos em que se tratou tão só de evitar o desperdício, decidindo na hora vacinar quem estava por perto, haverá também certamente outros de claro aproveitamento. Que se possam apurar responsabilidades e sancionar quem agiu de má-fé.
Mas, sobretudo, que se aprenda com os erros e se reforce a organização e a planificação.
Para que quando chegar a altura de administrar a segunda dose este filme não se repita. E para que os que agora foram vacinados, mesmo que indevidamente, recebam nova vacina. Porque se tal não acontecer, a administração da primeira dose terá sido quase o mesmo do que deitar a vacina ao lixo.