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Academia de Dança Annarella Sánchez cada vez mais internacional

12 jul 2018 00:00

Ballet | A Academia Annarella saiu, na semana passada, de Barcelona com 28 medalhas na bagagem. Mas nem houve tempo para descansar.

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Jacinto Silva Duro

Assim que chegou, a comitiva recebeu a notícia de que o Parlamento lhe iria atribuir um louvor e, quase em simultâneo, iniciou o seu curso de Verão, com mais de 300 jovens de 12 países, evento que conta com a directora da Escola Nacional de Ballet de Cuba.

Ainda a saborear um louvor atribuído pela Assembleia da República aos seus alunos, no seguimento das 28 medalhas obtidas na final do Dance World Cup 2018 Barcelona, a Academia Internacional de Dança Annarella Sánchez, de Leiria, está a acolher mais de 300 bailarinos e bailarinas estrangeiros e portugueses durante cinco semanas para o Intensive Ballet Programme.

Os trabalhos, em turmas divididas em dois programas A (7-10 anos) e B (a partir dos 10), começaram no dia 2 e terminarão a 3 de Agosto.

Leiria recebe assim dezenas de jovens vindos da Argentina, Brasil, Itália, África do Sul, Grécia, Inglaterra, Panamá, Espanha, México, Estados Unidos da América, Geórgia, Macau, Roménia e Portugal (Leiria, Porto, Caldas da Rainha, Braga, Lisboa, Aveiro, Lousã, Figueira da Foz, Algarve), interessados em melhorar as suas técnicas de dança clássica e em abrir novos horizontes e ainda docentes convidados e afectos à academia, oriundos da Rússia, Estados Unidos, Cuba, México e Portugal.

"Temos até antigos alunos da nossa escola que estão a estudar na Escola Superior de Dança e que vêm dar algumas aulas aos mais novos", explica Annarella Sánchez, a responsável pela premiada academia de dança de Leiria.

O regime de ensino conta com um programa que começa às 9 e segue até às 13/13:30h horas. Depois disso, há um intervalo para almoço, no refeitório da Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, que se alia a esta iniciativa, através de uma parceira formada entre os dois estabelecimentos de ensino.

"Facilita imenso o nosso trabalho, porque não temos uma estrutura que permita oferecer refeições aos alunos", sublinha a responsável pela escola de dança. Depois do almoço, os jovens reiniciam as aulas às 14:30 e terminam por volta das 18 horas.

Após essa hora, quem pretender alongar, fazer flexibilidade, melhorar técnicas específicas ou coreografias, pode fazê-lo até às 19:30 horas. Em paralelo com curso de Verão para bailarinos, irá decorrer um curso teórico-pratico para professores de ballet orientado pela directora da Escola Nacional de Ballet de Cuba, Ramona de Saá.

Reencontro histórico
O mês de dança intensiva vai ter momentos altos. Um deles, será a homenagem a dois bailarinos incontornáveis no mundo da dança. Um delas é Ramona, guardiã da qualidade de ensino do ballet cubano. Aos 80 anos, pelo seu escopo passa ainda a aprovação da aptidão de todos os docentes do estilo de dança oriundo daquela ilha nas Caraíbas.

"É uma das mais notáveis figuras da pedagogia de dança no mundo contemporâneo", refere Annarella Sánchez. Ao nível de ensino, em Cuba faz-se o que a mestre Ramona de Saá indica. É ela quem determina quem são os professores que estão aptos para irem ensinar ballet cubano nos diferentes países do Mundo. Tudo passa pelas suas mãos."

O outro bailarino, também a rondar as oito décadas de vida, é Jorge García, um dos antigos parceiros no palco da mestre. "A homenagem deverá ser esta semana, porque o Jorge vem de Paris, para se reencontrar com a Ramona de Saá, que já não vê há 50 anos." Dançaram sempre juntos até que, durante uma digressão do Ballet Nacional de Cuba, em 1966, em Paris, ele decidiu que não iria regressar a Cuba.

Radicou-se em Portugal e foi o formador e coreógrafo que lançou o ballet cubano em Portugal. "Muitos bailarinos da Gulbenkian foram formados por ele. Quando, há tempos, conheci a Ramona, no México, e lhe lancei o desafio de ela vir a Portugal, ela aceitou, mas só se se pudesse reencontrar com o Jorge", recorda Annarella.

Inicialmente, o coreógrafo mostrou-se reticente em aceitar a homenagem, mas assim que soube que iria encontrar a bailarina com quem iniciara os estudos na Academia de Dança Alicia Alonso e dançara durante anos, emocionou-se e aceitou rever a directora da Escola Nacional de Ballet de Cuba.

"Recordou- -se que, uma vez, em palco, num salto, deixou-a cair. Mas perguntei à Ramona se ela se lembrava e ela explicou que o acidente não foi com ela, mas com a irmã gémea, Margarita, também bailarina." Ramona confidencia que espera que este seja um encontro "muito emocionante".

"Éramos muito poucos, naquela primeira geração de bailarinos do Ballet Nacional de Cuba. Éramos uma família, verdadeiros irmãos. Trabalhámos e passámos por muitas coisas juntos, mas já não nos vemos há mais de 50 anos. O Jorge é um coreógrafo excepcional, que trabalhou em muitas companhias por todo o Mundo. Dizem-me que, em Portugal, também fez um excelente trabalho."

Louvor no Parlamento
As 28 medalhas que a Academia arrecadou em Barcelona há duas semanas valeram um louvor à escola e aos bailarinos na Assembleia da República, por iniciativa da deputada do CDS eleita por Leiria, Assunção Cristas.

Entre 5800 participantes de 48 países, no Dance World Cup, na capital catalã, o balanço dos prémios foi positivo para a representação portuguesa e para a Academia de Dança Annarella. A escola com mais medalhas de Ouro foi a de Leiria, com 13 troféus, seguindo-se a Valley School of Dance, com nove.

O estabelecimento de ensino com mais medalhas de Prata foi, mais uma vez, a Academia Internacional de Dança Annarella Sánchez, com 11 medalhas, ex aequo com a companhia JBC de Espanha.

Na classificação geral, a escola da cidade do Lis ficou em segundo posto, com 28 medalhas, apenas uma atrás da sua congénere espanhola.

A academia alcançou 100 pontos (100% da classificação), através da prestação de Margarita Fernandes e Margarida Gonçalves. Desta vez, a representação de Leiria não levou os "rapazes campeões", ocupados com exames escolares. "Nunca tínhamos alcançando 100 pontos. Foram as meninas as primeiras a conseguir essa fasquia", explica Annarella.

Ramona de Saá Bello: “O ballet é uma coisa de que jamais quis ficar curada
Uma das suas frases mais famosas é: “a dança é uma doença e não há antibiótico que me cure dessa maleita”. Continua a padecer desse "mal"?

O ballet é uma coisa que sinto cá dentro e de que jamais quis ficar curada! É muito difícil, especialmente, se se trabalha toda uma vida com alunos e estudantes de dança. Passa a ser uma paixão que, mesmo que se queira curar, não é possível!

Como foi que apareceu o ballet cubano e como foi que a mestre se viu à frente da tarefa de o levar ao Mundo?
É uma história comprida. A Alicia Alonso, o Fernando Alonso e o Alberto Alonso, uma bailarina, um grande maestro e um grande coreógrafo, respectivamente, tomaram em mãos a missão de criar em Cuba um "grande e bom ballet". Mas, antes disso, o ballet surgiu em 1931, no Pro Arte Musical, que era uma instituição muito famosa na época, onde se estudava ballet e música... era um conservatório muito completo, propriedade da mãe de Fernando Alonso. Alicia entrou lá como estudante, ao mesmo tempo que Fernando e Alberto, e começaram o estudo da dança quando tinham uns 15 ou 16 anos. Naquela época, o estudo do ballet pelos homens era uma coisa que não era muito "clara" e havia algumas reticências dos pais.

Como hoje?
Em Cuba já não, graças a todo o trabalho realizado pela nossa escola. Mas foi assim que Alicia conheceu Fernando. Ela já começava a ter algum sucesso como bailarina e eles apaixonaram-se e casaram. Como Alberto tinha uma vocação para a coreografia, a família juntou- -se e iniciaram uma grande carreira profissional no mundo do ballet. Com o passar dos anos, Fernando e Alicia foram estudar para Nova Iorque e entram em contacto com as escolas russa, francesa e italiana. Com aquela experiência, criaram o método cubano. Após isso, Alicia passou um ano sem dançar devido a um problema nos olhos, mas, quando regressou, substituiu no palco Alicia Markova, uma grande prima bailarina. Em 1950, ela e o marido inauguraram a Escola Alicia Alonso, para bailarinos cubanos. Para atrair os homens, foram às casas de beneficência, onde estavam internados meninos órfãos e conseguiram captar vários estudantes. Em 1959, após a revolução, o novo governo empenhou-se em criar o Ballet Nacional de Cuba e, com o passar dos anos, começámos a trabalhar na unificação metodológica e formação dos bailarinos. A partir de 1964, o Fernando, que era o director da Escola Nacional de Ballet de Cuba, começou a apoiar-se muito em mim e, em 1967, assumi a direcção da escola. Recordo-me que, antes de termos criado a escola e a companhia, os pais queriam que os filhos homens fossem todos médicos, advogados ou professores. Hoje, os homens consideram o bailado uma profissão de sucesso.
 

Madison Penney
A “versão feminina de Casalinho”

Madison Penney, veio de Phoenix, Arizona, nos EUA, para estudar, durante duas semanas, na Academia Annarella.

Na escola, é conhecida como a “versão feminina de António Casalinho”, uma verdadeira campeã e uma bailarina com um talento a toda a prova. "Sou como o António", brinca a jovem de 14 anos. "Venci o Hope Award 2016, na final do Youth America Grand Prix  (YAGP), e em 2017, venci o Youth Grand Prix. Fui medalha de Ouro, no World Ballet Competition, em 2015, e tenho uma bolsa de estudos do Royal Ballet, entre outros galardões". E como foi que Leiria lhe saiu ao caminho?

"Vou todos os anos à final do YAGP e conheço a Annarella há algum tempo. Finalmente, consegui convencer os meus pais a deixar-me vir para Leiria." Madison e Casalinho estão a ensaiar uma coreografia que deverão apresentar em Xangai, na China.

"O trabalho está a correr bastante bem e esta era uma oportunidade que não podíamos deixar escapar", resume António Casalinho.