Sociedade

“Carriço, é a ‘capital dos carriços’” e duas “raridades” botânicas

27 out 2022 10:22

Levantamento de fauna e flora nas três lagoas do oeste de Pombal

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Voluntários e especialistas identificaram 174 espécies num fim-de-semana
Jacinto Silva Duro
Jacinto Silva Duro

A grande quantidade de carriços (Carex), planta vivaz, herbácea autóctone, usada para fins medicinais ou cestaria, identificados durante o levantamento biológico - Bioblitz - das espécies existentes nas três lagoas do Carriço, no concelho de Pombal, apenas num fim-de-semana, leva os organizadores da acção a considerar um novo lema para a freguesia: “Carriço a ‘capital dos carriços’!”

Nas lagoas de São José, das Correntes e dos Linhos, além de carriço-dos-brejos (Carex paniculata), carriço-da-areia (Carex arenaria),  carriço-verde (Carex pseudocyperus), carriço-pêndulo (Carex pendula) e carriço-caído (Carex demissa), só faltou confirmar a existência do carriço-acobreado (Carex cuprina), que tem registo na zona e do carriço-branco (Rhynchospora alba) que é uma espécie ameaçada, actualmente desaparecida em Portugal mas que existiu nestas lagoas no passado.

As duas dezenas de participantes produziram 420 observações e identificaram 174 espécies, entre elas, várias raridades como: o carriço-dos-brejos (Rhynchospora modesto-lucenoi), o feto-aquático (Thelypteris palustris) e a  urze-das-turfeiras (Erica tetralix).

Foram ainda assinaladas quatro espécies de mamíferos, além de dois répteis, dois anfíbios, um peixe invasor, oito espécies de aves, 18 de fungos, 23  invertebrados, 114 de plantas, das quais 15 exóticas, duas ameaçadas e dez raras.

À sombra de um dos mais importantes bosques de Taxodium da região, uma das duas espécies de coníferas de folha caduca conhecidas, o ecólogo Jael Palhas, um dos especialistas envolvidos na residência científica que decorreu no fim-de-semana, com a participação de especialistas e de ONG, como o grupo dos Amigos do Arunca do GPS, explicou que há ali registo de várias preciosidades botânicas naturais de zonas húmidas e de turfeira litoral de baixa altitude.

Por exemplo, a seus pés, estendem-se as mais importantes colónias de fetos aquáticos e de nenúfares da região. “É o único sítio que conheço com ambas as espécies a crescer lado a lado. Só por isto, a Lagoa dos Linhos é muito valiosa.”

O ecólogo esclareceu que, na zona, pode haver ainda espécies raras como a Myrica gale, planta com flor, que se parece com um salgueiro de folhas pequenas e que ocorre dentro de água, ou duas Rhynchospora, a modesto-lucenoi e a alba.

“No dia em que descobrirmos a segunda, fazemos uma festa!”, prometeu.

A Rhynchospora alba, embora tenha sido referenciada na zona, no passado, desapareceu a nível nacional. “Aqui é o limite sul na Europa da espécie. Encontra-la aqui seria muito importante.”

O Bioblitz serviu para fazer uma recolha extensiva de informação sobre a fauna e flora das lagoas da Mata do Urso, a fim de aumentar o conhecimento científico e, com ele, valorizar a zona.

“Não podemos actuar num território sem o conhecer", afirma Gabriela Marques, da organização.

Foi num estágio na Câmara Municipal de Pombal, onde a jovem se focou na temática da Mata do Urso, que as três lagoas encontraram um lugar no seu coração.

Após os incêndios de 2017, realizou uma caminhada ambiental para descobrir o seu potencial e convidou Jael Palhas. Desde então, o investigador começou a dedicar ali uma temporada por ano, em levantamentos.

A ameaça para as lagoas e as suas turfeiras não advém apenas das alterações climáticas e dos incêndios, como que destruiu boa parte da Mata do Urso, em 2017, mas também de eventos climáticos extremos como o furacão Leslie, de 2018, e das omnipresentes plantações de eucaliptos, ou da proliferação das acácias, mimosas, erva-das-pampas e outras espécies exóticas invasoras, que estão a secar as massas de água, a substituir a sua biodiversidade e a reduzi-las a zonas impenetráveis e completamente degradadas.

A ausência de um estatuto de protecção ambiental é igualmente prejudicial. “Daí a importância da atracção de peritos e investigadores para estudar a zona”, resume Gabriela Marques.

Artigo actualizado às 9:50 horas de 28 de Outubro de 2021