Economia

Concessionários da região antecipam desafios do mercado automóvel para 2025

25 dez 2024 11:00

Mercado automóvel em 2025 enfrenta incertezas: marcas chinesas ganham terreno na Europa, fabricantes tradicionais lutam com transição energética, e veículos eléctricos conquistam quota de mercado em Portugal

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Jacinto Silva Duro

O cenário é de confusão. 

Enquanto os fabricantes automóveis europeus lutam para se adaptarem à transição energética e aos gostos de um público que não parece interessado em colaborar na luta contra a emissão de gases com efeito de estufa, que estão a provocar alterações climáticas, as marcas chinesas, que há muito iniciaram a aposta na mobilidade eléctrica, ganham terreno.

Em 2023, a República Popular da China estabeleceu-se, mundialmente, como o maior país exportador de automóveis e a União Europeia tornou-se num destino para as suas exportações.

Mas 2024 foi um ano complexo e 2025, no ramo automóvel, poderá ser ainda pior, estando-se a assistir apenas ao primeiro acto de um drama em várias partes.

O que se pode esperar do próximo ano, em termos de mercado?

Foi o que perguntámos a três responsáveis do mundo automóvel, na região.

Nuno Roldão, vice-presidente da Anecra - Associação Nacional das Empresas do Comércio e da Reparação Automóvel e administrador do concessionário Lubrigaz (VW e Škoda), admite que tanto o presente cenário como o futuro são “bastante voláteis”, o que dificulta as antevisões e planeamentos.

No próximo ano, prevê, o comportamento dos consumidores perante os veículos eléctricos vai “condicionar” o mercado automóvel e o cumprimento das metas europeias de emissões de gases que promovem as alterações climáticas, estabelecidas para entrarem definitivamente em vigor em 2035.

“Podem até não entrar em vigor nesse ano, caso os fabricantes e o mercado não consigam corresponder ao que lhes é pedido”, acredita o empresário.

Ainda assim, por piores que sejam as previsões globais, impulsionadas por motivos internos de consumo ou externos de concorrência de novos fabricantes”, de modo geral, Nuno Roldão perspectiva sempre um “crescimento”. “Vamos andar para a frente.”

Entre Janeiro e Novembro de 2024, foram comercializados 189.533 automóveis novos de passageiros, segundo a Acap – Associação Automóvel de Portugal.

Curiosamente e, de certo modo em contra-ciclo com a Europa, em Portugal, nos 11 onze meses, 56,8 por cento dos veículos ligeiros de passageiros matriculados novos eram eléctricos e híbridos, verificando-se que 19,3 por cento dos veículos ligeiros de passageiros novos eram eléctricos puros.

Apenas no mês de Novembro, o peso destes eléctricos foi de 24,8 por cento do mercado.

Quanto ao que se pode esperar da comercialização de veículos no próximo ano, Nuno Roldão afirma que há demasiadas variáveis em cima da mesa e que traçar uma linha de cenário é pouco mais do que um exercício de adivinhação.

“Ainda não sabemos sequer se o Governo, no Orçamento do Estado 2025 prevê medidas fortes de apoio ao abate de veículos em fim de vida, de modo a renovar o parque automóvel nacional e contribuir para a descarbonização rodoviária.”

E há mais questões dúbias no caminho das empresas de venda de veículos, como o já anunciado novo sistema de agenciamento na distribuição automóvel.

“Por aquilo que sei, o modelo está a ser repensado, já que temos um panorama mundial onde vários grandes grupos de fabricantes, como a Stellantis, a Nissan ou a Volkswagen, estão em grande ebulição e a enfrentar mudanças de administração, mudanças de política e de rumo.”

O vice-presidente da Anecra garante que o sistema de agenciamento irá avançar, contudo, não se prevê ainda que tipo de incertezas as alterações poderão criar nos mercados.

Ou sequer, se as haverá. “O assunto não tem estado a avançar e ainda não sabemos qual será o futuro.”

Também Paulo Conceição, Chief Operating Officer (COO) no Grupo NOV Automóveis, alinha pela mesma bitola.

“O mercado esteve muito inconstante ao logo de todo o ano de 2024. Houve meses bons e outros menos bons. Uns com boas vendas e, logo a seguir, quedas.”

O responsável desta empresa que representa 12 marcas dos grupos Stellantis e Ford, nos distritos de Leiria e de Santarém estima que 2025 será semelhante ao ano que agora termina, porém com “algumas tendências mais negativas”.

Em 2024, recorde-se, foi uma das marcas do Grupo Stellantis, a Peugeot, quem alcançou a posição no topo do pódio das marcas mais vendidas em Portugal.

“Há várias alterações a ocorrer em grandes grupos como a Stellantis ou a Volkswagen e nós, os agentes no terreno, estamos no final da linha.

Não somos nós quem desenha as estratégias.

Neste momento, infelizmente, não sabemos nada de muito concreto sobre como os fabricantes irão responder ao que se passa no mercado, com a implementação das medidas europeias para a adopção de motores que não emitem dióxido de carbono para a atmosfera.”

Acertar metas até ao final do ano

“Em termos de marcas que representamos, o ano de 2024 correu bem. O início do ano foi um pouco atribulado, porém com a evolução do mercado conseguimos fazer ajustes. Andámos a medir e a tentar acertar as metas até ao final do ano, em diálogo com a Renault”, recorda o director comercial da MCoutinho Oeste, concessionário da Renault e Dacia, nas Caldas da Rainha e Leiria.

Paulo Carvalho sublinha que, globalmente, as marcas presentes há mais tempo no mercado nacional conseguiram todas cumprir os seus objectivos e, além disso, cocomeçaram a posicionar-se em relação à questão da electrificação, ao futuro e às normas da União Europeia.

“As directivas comunitárias também não são muito claras, e andámos todos a inovar um pouco. No caso da Renault e Dacia, acabámos o ano dentro daquilo que tínhamos perspectivado e as coisas têm vindo a funcionar bem com o novo alinhamento negociado com o fabricante e a Dacia tem sido uma receita de sucesso, de acordo com os valores mais recentes do mercado.”

As dúvidas quanto àquilo que o mercado e os fabricantes pretendem em relação aos veículos eléctricos, admite também este responsável, são muitas.

“A Tesla apareceu este ano com uma força que ninguém estava à espera, apareceram as marcas chinesas e houve uma mudança grande no mercado. Os alemães também não estiveram parados, com a BMW e a Mercedes e todas as marcas a baixarem os preços dos veículos”, analisa.

O director comercial lembra que, por “indicação clara das normas CAFE - Corporate Average Fuel Economy”, que regulam a distância mínima percorrida por litro de combustível e emissões de carbono, dentro em breve, um em cada cinco automóveis comercializados terá de ser 100% eléctrico.

Se as metas carbónicas estabelecidas pela União Europeia não forem cumpridas, o responsável diz que já se fala em coimas que podem chegar aos 19 mil milhões de euros para os fabricantes.

“Quero acreditar que as regras possam ser aligeiradas e que a UE tenha o bom-senso para o fazer. Não foram as marcas que quiseram apostar na electrificação mas a opção apareceu por decretos governamentais. Da nossa parte, estamos a fazer aquilo que chamamos a Renaultion, uma nova evolução de gama, com produtos muito novos e estamos a encarar um futuro sorridente. Para o ano, ninguém sabe muito bem o que aí vem, especialmente, quando os veículos comercializados em espaço europeu são apenas 15% do total transaccionado em todo o mundo. Os restantes 85% não estão obrigados a regras algumas de limitação de emissões de gases e continuam a poluir.”

Com os preços dos eléctricos a descer, Paulo Carvalho acredita que, numa visão de risco calculado, este é o momento certo para os particulares comprarem um eléctrico.

Ainda assim, a melhor opção, entende, será o renting, dada a natureza e volatilidade de preço destas soluções.

“Paga-se 200 ou 300 euros por mês e tem-se um carro durante quatro anos e, depois, logo se decide. Vistas as coisas, seria o mesmo que se pagaria por uma prestação e 75% dos veículos até são vendidos a crédito.”

Os três responsáveis das empresas de comercialização automóvel concordam, contudo, que será preciso esperar até que as marcas reunam, no fim do mês de Dezembro ou no início de 2025, com as suas redes de concessionários e agentes, para estabelecer as estratégias para o próximo ano.

Marcas chinesas implantam-se na Europa

Mas como chegou a Volkswagen ao ponto de admitir despedir e encerrar unidades no coração da Alemanha e com o CEO da Stellantis, a quarta maior construtora da mundo, Carlos Tavares, a bater com a porta?

Em 2023, a União Europeia produziu 14,8 milhões de veículos (15,8% da produção mundial), incluindo 12,2 milhões de automóveis ligeiros de passageiros.

Na Europa, as marcas chinesas têm, hoje, uma quota de mercado de 2,5%, que poderá chegar a 10%, dentro de dez anos, dizem os especialistas.

Um documento do Parlamento Europeu, em Outubro, dava conta que a indústria automóvel tem um problema com a transição energética e com a digitalização.

E qual é o problema? Não soube ou não conseguiu adaptar-se e cumprir as metas a que se comprometeu.

A China, por seu turno, viu uma oportunidade de negócio e avançou pela brecha, com tecnologia testada e processos muito mais modernos do que os usados na tradicional indústria de produção de carros a gasolina e gasóleo.

Em jogo está o emprego de 13,8 milhões de pessoas - 6,1% do emprego total na UE. BYD, MG, Geely (Volvo, Polestar e Lotus) e Xpeng são apenas algumas das marcas mais sonantes, vindas da China, que se instalaram há pouco na região, trazendo com elas modelos movidos a energia, mais acessíveis e carregados de tecnologia.

E se a estes juntarmos a Tesla, que é uma marca global, conhecida por esmagar os preços, começa-se a perceber a raiz dos problemas que desemboca em veículos europeus mais caros, devido ao preço do lítio, utilizado para produzir as baterias – a China e os EUA estão entre os maiores produtores deste mineral.

Enquanto isto, a China anunciou que terá apostado em práticas de produção sustentáveis, em fábricas neutras em carbono e na utilização de materiais recicláveis nos seus veículos, para ganhar vantagem competitiva junto de consumidores sensíveis às questões ambientais.