Opinião

Cruzada contra o verde

16 abr 2016 00:00

Por alguma razão difícil de perceber, parece que as árvores incomodam alguém dentro da Câmara de Leiria.

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Por alguma razão difícil de perceber, parece que as árvores incomodam alguém dentro da Câmara de Leiria. Aos pouco, corte após corte, as ruas têm vindo a ficar despidas, acentuando o tom acinzentado de uma cidade que durante décadas apostou todas as fichas no betão.

Os espaços verdes tão desejados, reivindicados e até implorados, mantêm-se há muito adiados para tempos que hão-de vir, enquanto se têm deitado abaixo as poucas árvores que iam disfarçando, um pouco, a pobreza do espaço público nesta matéria.

Foi o corte para construir o Estádio e o mar de alcatrão envolvente, o “desbaste” no Jardim Luís de Camões, o abate de tudo o que fazia sombra nas ruas Dr. José Jardim, Dr. João Soares, e Machado dos Santos.

Até o painel instalado junto ao Turismo, que assinalava a contagem decrescente para a conclusão do projecto Polis, descerrado com pompa e circunstância por José Sócrates, obrigou ao corte de duas árvores de grande dimensão que ali estavam há muitas décadas.

Mas parece que a cruzada contra o verde não se ficará por aqui e, enquanto se aguarda pelo deitar abaixo dos pinheiros que olham de frente para a sede do município, a sorte calhou às 40 laranjeiras plantadas há 15 anos no terreiro por crianças de escolas do 1º. ciclo. Mas pior que o corte foram os argumentos para o fazer.

Parece que as laranjeiras não se portavam bem e deixavam as laranjas cair no chão, verdadeiras armadilhas para quem por ali passava. Um ou outro transeunte terá mesmo escorregado e caído, eventualmente manchando o linho branco da sua roupa.

Mais grave ainda, havia quem olhasse para a fruta e visse armas de arremesso, fazendo pontaria algures num prédio das imediações. Para grandes males, grandes remédios. Corta-se pela raiz. Acaba-se de vez com o perigo das laranjas no chão, as mesmas que estimulavam o vandalismo em quem ali passava.

A sombra, essa há-de ser dada daqui a dez ou quinze anos pelas cerejeiras que tomaram o lugar das malditas laranjeiras. Um passo no caminho da segurança que será, certamente, seguido por muitas das cidades mediterrânicas onde as laranjeiras fazem parte da identidade da paisagem urbana.

Resta a dúvida de saber se tão previdente medida acabará com as quedas e com os actos de vandalismo, ou se, pelo contrário, a Câmara continuará a intervir no espaço público em prol da segurança.

Não será de pensar, por exemplo, em colocar anti-derrapante nas ruas que descem para a Rua Direita e para o Terreiro? É que em dias de chuva os paralelos conseguem ser tão ou mais traiçoeiros que as laranjas. E os vândalos não ganharão inspiração noutro lado, agora que as laranjas se foram?

E se os seus olhos se viram para as pedras da calçada portuguesa que temos no passeios? Na lógica de que mais vale prevenir que remediar, o melhor é cobrir os passeios de cimento... Desculpem-nos os leitores pela ironia, estilo pouco adequado a este espaço, mas esta história não dá para outra coisa!
João Nazário

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