Opinião
Cruzada contra o verde
Por alguma razão difícil de perceber, parece que as árvores incomodam alguém dentro da Câmara de Leiria.
Por alguma razão difícil de perceber, parece que as árvores incomodam alguém dentro da Câmara de Leiria. Aos pouco, corte após corte, as ruas têm vindo a ficar despidas, acentuando o tom acinzentado de uma cidade que durante décadas apostou todas as fichas no betão.
Os espaços verdes tão desejados, reivindicados e até implorados, mantêm-se há muito adiados para tempos que hão-de vir, enquanto se têm deitado abaixo as poucas árvores que iam disfarçando, um pouco, a pobreza do espaço público nesta matéria.
Foi o corte para construir o Estádio e o mar de alcatrão envolvente, o “desbaste” no Jardim Luís de Camões, o abate de tudo o que fazia sombra nas ruas Dr. José Jardim, Dr. João Soares, e Machado dos Santos.
Até o painel instalado junto ao Turismo, que assinalava a contagem decrescente para a conclusão do projecto Polis, descerrado com pompa e circunstância por José Sócrates, obrigou ao corte de duas árvores de grande dimensão que ali estavam há muitas décadas.
Mas parece que a cruzada contra o verde não se ficará por aqui e, enquanto se aguarda pelo deitar abaixo dos pinheiros que olham de frente para a sede do município, a sorte calhou às 40 laranjeiras plantadas há 15 anos no terreiro por crianças de escolas do 1º. ciclo. Mas pior que o corte foram os argumentos para o fazer.
Parece que as laranjeiras não se portavam bem e deixavam as laranjas cair no chão, verdadeiras armadilhas para quem por ali passava. Um ou outro transeunte terá mesmo escorregado e caído, eventualmente manchando o linho branco da sua roupa.
Mais grave ainda, havia quem olhasse para a fruta e visse armas de arremesso, fazendo pontaria algures num prédio das imediações. Para grandes males, grandes remédios. Corta-se pela raiz. Acaba-se de vez com o perigo das laranjas no chão, as mesmas que estimulavam o vandalismo em quem ali passava.
A sombra, essa há-de ser dada daqui a dez ou quinze anos pelas cerejeiras que tomaram o lugar das malditas laranjeiras. Um passo no caminho da segurança que será, certamente, seguido por muitas das cidades mediterrânicas onde as laranjeiras fazem parte da identidade da paisagem urbana.
Resta a dúvida de saber se tão previdente medida acabará com as quedas e com os actos de vandalismo, ou se, pelo contrário, a Câmara continuará a intervir no espaço público em prol da segurança.
Não será de pensar, por exemplo, em colocar anti-derrapante nas ruas que descem para a Rua Direita e para o Terreiro? É que em dias de chuva os paralelos conseguem ser tão ou mais traiçoeiros que as laranjas. E os vândalos não ganharão inspiração noutro lado, agora que as laranjas se foram?
E se os seus olhos se viram para as pedras da calçada portuguesa que temos no passeios? Na lógica de que mais vale prevenir que remediar, o melhor é cobrir os passeios de cimento... Desculpem-nos os leitores pela ironia, estilo pouco adequado a este espaço, mas esta história não dá para outra coisa!
João Nazário
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