Economia

Desafios para o financiamento e capitalização de empresas

31 dez 2024 14:00

Business angels, crowdfunding, fundos de investimento, capital de risco, bancos de fomento são algumas das opções a que se pode recorrer quando se procura financiamento para abrir um negócio, expandir ou internacionalizar uma empresa e as soluções tradicionais não respondem ao solicitado

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38,6 milhões de euros é o montante global de investimento das 47 candidaturas da Região de Leiria Crescimento
DR
Jacinto Silva Duro

A possibilidade de aceder a fundos para proceder à capitalização e recapitalização das empresas dá ao tecido empresarial a oportunidade de proceder à modernização tecnológica, facilitar a expansão do negócio, viabilizar a entrada em novos mercados e criar uma empresa de raiz, num momento onde a competitividade global exige cada vez mais das organizações empresariais portuguesas.

A modernização e internacionalização tornam-se objectivos cada vez mais prementes num mercado globalizado.

Todavia, o acesso ao financiamento através dos mecanismos tradicionais da banca nem sempre se apresenta como uma opção viável ou adequada às necessidades específicas de cada projecto empresarial.

Face a esta realidade, foram desenvolvidos diversos mecanismos alternativos, tanto públicos como privados, incluindo fundos de investimento especializados ou recurso a business angels.

Numa vertente menos contemporânea, observa-se, inclusive, o recurso ao apoio comunitário através de plataformas de crowdfunding, que democratizam o acesso ao capital.

No contexto internacional, particularmente nos países anglo-saxónicos, existe uma cultura bem estabelecida de financiamento através de business angels e fundos de capital de risco.

“Estas sociedades demonstram uma maior tolerância ao insucesso empresarial, factor que estimula a inovação e o empreendedorismo. Em Portugal, assim como em grande parte dos países europeus, ainda existe um longo caminho a percorrer no desenvolvimento de iniciativas e instrumentos de capital direccionados para novos projectos. Não obstante, nos últimos anos, tem-se verificado uma evolução positiva na consciencialização para esta temática”, conforme reconhece o director regional do Centro Empresas de Leiria, do Novo Banco.

Nuno Palhinha, mantém uma perspectiva optimista quanto ao futuro.

O especialista acredita firmemente que, através do envolvimento activo dos diversos agentes económicos, é possível desenvolver um ecossistema robusto e dinâmico, capaz de fomentar o surgimento de novas ideias e projectos verdadeiramente inovadores.

“Este esforço colectivo engloba diversos actores fundamentais, desde as incubadoras de negócios e escolas empresariais, passando pela banca comercial e o Banco Português de Fomento, até aos fundos de capital de risco e outras entidades relevantes do sector.”

A conjugação destes diferentes elementos poderá criar as condições ideais para apoiar novos projectos empresariais, especialmente quando existe uma percepção positiva por parte dos promotores e um contexto favorável à criação de novos negócios.

A nova geração de jovens empresários portugueses, caracterizada por uma visão mais abrangente e uma maior propensão para a criação de negócios inovadores, está a contribuir significativamente para uma transformação cultural no panorama empresarial nacional.

“Esta mudança de paradigma irá, certamente, moldar a estrutura do tecido empresarial nas próximas décadas”, acredita.

Existe diversos programas públicos vocacionados para o apoio à recapitalização empresarial. Entre estes, destacam-se o Sistema de Incentivos à Recapitalização (SIR), concebido para apoiar a recapitalização de empresas através de investimentos em capital próprio ou quase-capital, e o Fundo de Capitalização e Resiliência (FCR), que disponibiliza apoio financeiro sob diferentes formas, incluindo empréstimos, garantias ou investimento em capital próprio.

Os programas do Banco de Fomento Português (BFP) têm ganhado destaque nos meios de comunicação social, tornando-se assim mais conhecidos do grande público.

Esta instituição, criada em Novembro de 2020, durante o mandato do penúltimo Governo de António Costa, surgiu da necessidade de tentar dotar o sistema empresarial nacional de um mecanismo de apoio a empresas e empresários, especialmente em situações onde a banca comercial não oferece soluções adequadas para a criação de negócios, internacionalização ou expansão sectorial.

O Banco de Fomento tem procurado promover diversos instrumentos de apoio à recapitalização, incluindo empréstimos, garantias e participações em capital próprio.

Contudo, a instituição tem enfrentado várias dificuldades no seu próprio processo de crescimento. Estas incluem uma persistente falta de fundos, uma certa indefinição seus objectivos estratégicos e, mais recentemente, a anunciada intenção do Ministério da Economia de reavaliar todo o projecto.

O Ministro da Economia, Pedro Reis, anunciou no início de Novembro a intenção de posicionar a agência Portugal Ventures numa lógica de co-investimento de fundos, procurando “reciclá-la, revitalizá-la e repensá-la”.

A iniciativa prevê a introdução de agentes privados, nomeadamente grandes grupos económicos, e a criação de “portugais ventures” com o objectivo específico de co-investir com PME.

No âmbito dos instrumentos públicos disponíveis, encontramos ainda o programa Revitalizar, que tem como missão promover a reestruturação e recapitalização de empresas em di- ’culdade ’nanceira. Paralelamente, existe também a linha de Crédito Capitalizar, sendo que os detalhes específicos e critérios de elegibilidade podem variar conforme a situação particular de cada empresa.

Crowdfunding, o financiamento democrático

Quando as opções de financiamento tradicional se revelam insuficientes ou inadequadas, algumas empresas optam por explorar alternativas mais inovadoras, como o crowdfunding.

Esta modalidade, geralmente associada a valores mais reduzidos e direccionada principalmente para pequenas e microempresas.

O crowdfunding permite a obtenção de capital sem necessidade de recorrer aos canais bancários tradicionais.

O crowdfunding representa uma abordagem alternativa ao financiamento tradicional, baseando-se na angariação de fundos junto de um grande número de investidores individuais.

Estes contribuem tipicamente com quantias relativamente modestas, utilizando plataformas online concebidas para o efeito.

Como contrapartida, os investidores podem receber recompensas, que podem incluir produtos, serviços ou participações no capital social.

Esta modalidade de capitalização tem-se revelado particularmente útil no contexto das startups e PME, embora exija que as empresas apresentem um modelo de negócio atractivo e um plano estratégico sólido para conseguir captar o interesse dos potenciais investidores individuais.

À semelhança da diversidade existente no universo das startups, também as plataformas de crowdfunding podem apresentar diferentes vocações e especializações.

É o caso da Goparity, que permite o investimento em projectos sustentáveis e oferece retornos financeiros aos investidores, além de impacto social e ambiental, utilizando um modelo de investimento em participações, o chamado equity crowdfunding.

Inclui áreas como energias renováveis, economia circular, mobilidade sustentável, entre outras.

Entre outras, existe ainda a Raize, que permite investir em empréstimos a empresas portuguesas através de um modelo de crowdlending, ou a Bpitcap, plataforma de equity crowdfunding voltada para investimentos em empresas com foco em biotecnologia e inovação.

Anjos da guarda dos negócios

Os business angels são investidores individuais que fornecem capital, experiência e mentoria a empresas jovens e promissoras, muitas vezes nas fases iniciais.

Estes desempenham um papel importante no ecossistema empreendedor português, proporcionando financiamento e apoio valioso a startups inovadoras.

José Couto, empresário e presidente da AFIA, é business angel e explica que quem procura este modelo de investimento são, normalmente, “candidatos a empresários” que, por um lado, procuram uma solução financeira que lhes permita colocar de pé um negócio e, por outro, ofereça um contributo no aconselhamento na gestão a longo prazo da empresa.

“Somos, muitas vezes, silent partners ou sócios silenciosos que ajudam com os processos de governança, relações com a banca e outras instituições e aportamos algum peso institucional à organização no arranque, pelo menos, até ela começar a traçar o seu próprio percurso. E, claro, estamos muito presentes porque queremos proteger o nosso investimento.”

Em termos de financiamento, os business angels, assim chamados por serem uma espécie de anjos da guarda, também apoiam no crédito, normalmente, quando as portas das soluções mais tradicionais teimam em não se abrir aos empreendedores.

“Do comércio à tecnologia, não podemos dizer que há áreas onde temos uma preferência maior, mas fazemos uma análise do modelo de negócio e só depois decidimos se vamos ou não apoiar”, afirma.

A APBA - Associação Portuguesa de Business Angels é o organismo nacional que agrega vários business angels portugueses.

Região de Leiria Crescimento

Entre outras formas possíveis de garantir investimento empresarial, a nível regional, podemos encontrar o fundo de capital de risco Região de Leiria Crescimento, cujo intuito é o apoio financeiro a pequenas e médias empresas, visando o seu crescimento e desenvolvimento.

O fundo promete fortalecer o tecido empresarial da região, investindo em empresas sediadas nos dez concelhos da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL), com potencial de crescimento, permitindo-lhes desenvolver os seus negócios, criar postos de trabalho e aumentar a sua competitividade.

Resultado de uma candidatura aprovada no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), resulta de uma parceria da CIMRL, com a Portugal Ventures - sociedade de capital de risco do grupo Banco Português de Fomento (BPF) -, o Politécnico de Leiria e a Nerlei CCI - Associação Empresarial da Região de Leiria Câmara de Comércio e Indústria.

Nuno Palhinha explica que o Novo Banco participou no desenvolvimento do fundo de capital de risco Região de Leiria Crescimento, devido à diversidade de sectores de atividade, com forte componente industrial, excelência dos empresários e empresas da região de Leiria.

“É uma região estratégica para o Novo Banco, que tem no seu ADN ser o banco das empresas. Temos como missão ser o banco de confiança, que apoia as famílias e as empresas ao longo da sua vida. Com uma presença histórica na região, reafirmamos o compromisso com as empresas no desenvolvimento dos seus projectos, através do Centro de Empresas de Leiria e da nossa rede de balcões, apostando na proximidade e na parceria como factores de diferenciação. Foi, para nós, natural abraçarmos esta iniciativa, que consideramos estratégica e estrutural para o desenvolvimento económico da região de Leiria."

Criado em 2023, entre 17 de Junho e 4 de Agosto de 2024, registou 47 candidaturas, com um montante global de investimento de 38,6 milhões de euros.

Segundo António Poças, anterior presidente da Nerlei CCI, ainda é cedo para fazer um balanço do trabalho feito.

“Estamos a dar os primeiros passos, e a iniciar o investimento nas primeiras empresas. O balanço possível é do interesse gerado pelo elevado número de candidaturas que tivemos [47 na primeira call], o que mostra o acerto da decisão de avançar com este projecto.”

O empresário acredita que, em Portugal, pode estar a acontecer uma situação onde existem demasiadas entidades que poderiam apoiar as empresas, contudo, existe uma falta de articulação entre elas.

“Não é preciso sair da nossa região: CIMRL, câmaras, Instituto Politécnico de Leiria, escolas, associações empresariais, incubadoras, entre outras, são muitas entidades com programas de empreendedorismo e de apoio à criação de empresas.”

O ex-presidente da Nerlei reconhece que está instituída a ideia de que existem mecanismos para apoio das PME, contudo, os elementos de contexto - “burocracias, sistema ’scal ou exigências regulamentares diversas” - tornam, em termos relativos, cada vez mais exigente e complexo a operação das empresas com estas dimensões.

“Com vontade é sempre possível melhorar qualquer cenário. Idealmente com mais articulação entre entidades, simplicidade de processos e vontade verdadeira de querer fazer.”, defende António Poças, sublinhando que, no caso do fundo de capital de risco Região de Leiria Crescimento, é necessário ter a noção da dimensão do fundo e do perfil das empresas para que foi vocacionado.

Tendo isso em conta, “não podemos esperar novos rumos, mas… podemos esperar mudanças de mentalidades em relação a diferentes formas de financiamento, fusão de empresas, ambição de crescimento e isso sim, pode-nos levar a ‘novos rumos’”.