Sociedade

Estrangeiros a investir no turismo juntam o trabalho ao sonho de uma vida

26 ago 2019 00:00

Hotéis, agroturismo, glamping e alojamento local. Vêm, sobretudo, do Reino Unido, França, Alemanha, Bélgica e Holanda.

Brigitte e Bernhard (Foto de Ricardo Graça)
Michelle e Bert (Foto de Ricardo Graça)
Michelle e Bert (Foto de Ricardo Graça)
Michelle e Bert (Foto de Ricardo Graça)
John Malmqvist (Foto de Ricardo Graça)
John Malmqvist (Foto de Ricardo Graça)
John Malmqvist (Foto de Ricardo Graça)

Chega ao alpendre do Surfers Lodge de calções, t-shirt e pé descalço, depois de atravessar a estrada que desagua na praia do Baleal – e em momentos está a explicar-nos como alguém nascido na Suécia se torna surfista e gestor hoteleiro em Peniche, justamente no momento em que o turismo e as ondas do Oeste colocam Portugal nas bocas do mundo. John Malmqvist é o rosto de um investimento superior a 2 milhões de euros que junta financiamento público, capital privado e dinheiro emprestado por familiares. No boutique hotel a funcionar na Avenida do Mar, as aulas de surf associam-se a todo o conforto de um alojamento quatro estrelas, em estadias com direito a festas no terraço ao final da tarde, que atraem, sobretudo, suecos, alemães, ingleses, franceses e espanhóis. 

John Malmqvist, 40 anos, antigo campeão nacional de surf na Suécia, apaixonado pela modalidade desde a primeira vez, em 1996, na Califórnia, formado em marketing e publicidade após quatro anos na Austrália, em tempos fundador da marca Nord, de pranchas e fatos, conhece Portugal desde 2005. Diz que é “o melhor lugar da Europa para surfar”, com a vantagem de ter “ondas para toda a gente”, portanto, um destino “muito bom para ensinar” quem está a dar os primeiros passos. Em 2011, com o circuito mundial a atrair cada vez mais público e praticantes a Peniche, arriscou trocar as visitas em férias pela residência permanente, com o objectivo de se fixar perto do mar, aproveitar os incentivos do QREN e iniciar um projecto vocacionado para clientes mais velhos, com mais dinheiro, à procura de mais qualidade na oferta e por vezes a viajar em família, ou seja, um surf camp diferente dos que existiam, à data, na região, ocupados, maioritariamente, por adolescentes.

Inaugurado em 2013, o Surfers Lodge apresenta uma taxa de ocupação anual a rondar os 45%, um volume de negócios que ascende a 1,2 milhões de euros (2018) e lucros no melhor exercício (2017) na ordem dos 300 mil euros. Fica cheio nos meses de Julho e Agosto, quando os preços sobem até aos 300 euros por noite numa suite.

Com idades entre 30 e 60 anos, em média, 90% dos hóspedes são estrangeiros. Durante o Inverno, aumentam os americanos, brasileiros e australianos, em busca da ondulação na linha entre a Nazaré e Lisboa.

Actualmente, os planos para o negócio incluem a eventual abertura de uma segunda unidade, na Indonésia. Em Peniche, John Malmqvist quer acrescentar passeios de bicicleta e reforçar as vendas no segmento das empresas e grupos. E gostava de ver mais investimento por parte do Município, em especial na limpeza das ruas, na criação de parques e nas regras para autocaravanas. O concelho está diferente, mas ele defende que é urgente ir mais longe, para dar melhores condições a quem vem de fora. “Nada mudou em termos de infra-estruturas”, afirma. “Há muito dinheiro a entrar, através do turismo, muito mais do que há 15 anos. E pergunto-me para onde está a ir esse dinheiro. É preciso reinvestir no lugar”. 

Oportunidade de luxo. A menos de uma hora do Surfers Lodge, mas já no concelho de Caldas da Rainha, a Quinta Japonesa disponibiliza dormidas desde 112,50 euros por noite, na época alta, em tendas de glamping, conceito cada vez mais popular, também em Portugal, que inclui cama e banho privativo para facilitar o contacto com a Natureza sem o sacrifício das comodidades habituais no alojamento turístico.

Recebidos de braços abertos pelos vizinhos, os donos, Michelle Hofland e Bert Pranger, 50 e 57 anos de idade, respectivamente, dizem que a propriedade, meio hectare na aldeia de Carvalhal Benfeito, os encontrou a eles – e não o contrário. A energia do lugar e a simpatia dos portugueses convencem- nos que a decisão tomada em 2012 é a mais certa. Para trás ficam as carreiras relacionadas com computadores e programas informáticos na Holanda, ele no Ministério da Justiça, ela numa empresa de consultoria.

Alojamento local na região centro: há 384 estabelecimentos criados por estrangeiros

Com três tendas, mas também dois apartamentos e uma casa, a Quinta Japonesa é requisitada, sobretudo, por turistas da Holanda, Bélgica e Portugal, porém, os portugueses são menos de 50% dos hóspedes.

Depois de cinco anos suportado em poupanças, o projecto liberta actualmente a receita necessária para Michelle Hofland e Bert Pranger, que vivem com os dois filhos, de 8 e 11 anos, o mais velho a praticar atletismo e o mais novo a sonhar com uma carreira no futebol. A mistura com o campo e a curta distância até à praia são vantagens, explicam. “Para muitos holandeses Portugal é sinónimo de Algarve, eles não sabem que existe outra coisa. Mas para as pessoas que gostam da Natureza ou do surf, a região Oeste é uma oportunidade”.

Com o objectivo de compensar a sazonalidade do negócio, que funciona, sobretudo, no Verão, com Julho e Agosto esgotados desde Janeiro e a procura a superar três vezes a oferta, em contraste com o Inverno, em que os rendimentos baixam, a família apoia-se, desde há três anos, na representação, em Portugal, de uma marca de tendas com origem na Holanda. E em 2019 há uma novidade que lhes permite respirar melhor: a expansão da colaboração comercial para o Brasil e todos os outros países de expressão lusófona.

Michelle é filha de mãe portuguesa, emigrante do Cadaval. O nome Quinta Japonesa inspira-se nas ligações entre os três países, entre o Ocidente e o Oriente. Começar do zero, em Portugal, que só conheciam de férias, “foi duro”, com azares e problemas de saúde pelo caminho: uma perna partida, uma cirurgia delicada, uma hérnia, uma lesão nos ligamentos. Mas hoje o jardim japonês habitado por carpas koi manifesta a harmonia de uma ideia que evolui “muito bem”, dizem os protagonistas. “Somos muito multifuncionais. É uma das coisas que temos de ser antes de começar uma vida assim”. Bert tinha 200 pessoas a trabalhar para ele na Holanda, em Portugal faz tudo, da jardinagem às obra em casa. Raramente mergulham na piscina ou se deitam nas espreguiçadeiras. Mas ambos garantem que as dores de músculos, agora, são mais fáceis de suportar do que as dores de cabeça, antes. “Isto aconteceu-nos. Foi uma oportunidade e uma escolha de luxo”. 

Decisão racional. Mais a Norte, sentada na biblioteca da Quinta do Sobral, enquanto o marido, Bernhard, despacha tarefas no exterior, Brigitte Nowakowsky aponta o que mais aprecia no horizonte que quis para viver: as pessoas. “Os portugueses normalmente são calmos, amáveis, aceitam muito bem os hóspedes do País. Lembro-me muito, quando viemos cá pela primeira vez, cansados, depois de uma viagem. Chegámos a um café, eu pedi um pedaço de bolo e a dona apareceu com um sorriso e dois garfos. Este tipo de pequena atenção é do coração, é um bom exemplo. Sempre prontos a ajudar”.

Localizada às portas de Figueiró dos Vinhos, a unidade de agroturismo criada de acordo os requisitos de um hotel de quatro estrelas junta o solar principal com quatro quartos e duas casas independentes, com dois e três quartos, num terreno de 4,5 hectares em que existem árvores de fruto, vinha, hortícolas e um rebanho de ovelhas. “Um desafio permanente”, de “muita responsabilidade”, porque nem ela, nem ele, antigos quadros da indústria química, na Alemanha, estão em Portugal a viver uma reforma dourada, pelo contrário, a mudança para o Sul da Europa tem na origem a aplicação de todas as poupanças amealhadas durante duas décadas de trabalho, mais o produto da venda da casa onde viviam, na zona de Speyer, uma hora ao Sul de Frankfurt. “O que fizemos aqui é um risco económico enorme. Se não funciona, se não conseguimos obter rendimentos, é complicado”.

Portugal é um futuro que Brigitte e Bernhard Nowakowsky, 61 e 65 anos de idade, respectivamente, defendem com racionalidade, apesar do afecto pelo território que os acolhe, onde cultivam amizades tanto com portugueses como com outros imigrantes. “Não pode ser uma decisão da barriga, dizer o Sol brilha, eu vou. Isso não funciona. Devemos usar as metodologias que usamos na profissão para analisar um novo projecto. Só assim funciona. Fazer um orçamento financeiro, do marketing, quais são os clientes, como interessar, quais as maneiras de divulgar”.

Actualmente, metade dos hóspedes são estrangeiros; chegam, em maioria, de França, Bélgica, Holanda e Alemanha. Gostam “da combinação de Natureza com património” e, além da piscina, um espelho azul cercado de verde, aproveitam a localização da Quinta do Sobral: perto de Coimbra, de Tomar, dos mosteiros da Batalha e Alcobaça, do rio Zêzere, numa mistura de história, cultura, gastronomia, desportos náuticos e montanhismo, o que no Verão significa preços por noite desde 70 euros em quarto duplo.

A residir em Portugal desde 2006, Brigitte e Bernhard dão emprego a tempo inteiro a uma antiga desempregada da indústria têxtil e querem “contribuir para o desenvolvimento do turismo” numa região menos conhecida, também menos explorada, onde consideram existir um potencial “muito grande”. O problema “é a sazonalidade extrema do negócio”, mas o concelho de Figueiró dos Vinhos, e outros à volta, acreditam, “podiam ser ricos”, com outro tipo de aproveitamento dos recursos. Por enquanto, vão equilibrando as contas com os proveitos da actividade agrícola e pecuária. O investimento, desde que chegaram a Portugal, já é superior a 1 milhão de euros.