Sociedade
Orlando Cardoso, escritor: “Leiria tem mais pernas do que cabeça”
Escritor, poeta, professor e pensador diz que a Capital da Cultura jamais acontecerá em Leiria e irá cair no esquecimento. O mesmo acontecerá com o aeroporto em Monte Real.
Antigo director do JORNAL DE LEIRIA, vai apresentar o seu mais recente livro no sábado, na Livraria Arquivo, em Leiria.
No próximo sábado, apresenta o seu mais recente livro, Círculo de Sombras, Carta Leiriense de Fradique Mendes, na Arquivo Livraria, em Leiria, pelas 18 horas. É uma viagem pela estada de Eça de Queirós na cidade e uma incursão pelo cenário e personagens d’O Crime do Padre Amaro, em verso?
Exacto. São 50 poemas que relatam um "encontro" que nunca existiu entre Eça e Fradique Mendes, que também nunca existiu, a não ser na cabeça do escritor. Há um texto de prosa, que é a carta de Fradique endereçada a Eça e é esse o ponto de partida do meu livro. Depois, fui buscar as personagens mais interessantes dessa estada de Eça, em Leiria, como as beatas, e o próprio Padre Amaro é outra personagem que abordo.
E também os locais.
Sim, sítios como a Igreja da Misericórdia ou a Rua dos Sousas, que ninguém sabe onde ficava... O primeiro texto do livro, é a carta de Fradique Mendes, que seria um amigo de há muito de Eça, que era o administrador do concelho de Leiria. É uma personagem imaginada pelo autor d'O Crime do Padre Amaro e, por isso, tentei jogar com os dois, sem se sobreporem. A minha ideia original era criar quase um roteiro de Eça, em Leiria, mas, entretanto, mudei a agulha e fiz uma coisa diferente do que tinha previsto inicialmente e o livro esteve quase um ano na gaveta, enquanto procurava por novas soluções para o trabalho e para fugir ao habitual.
A criação de personagens, que Eça decalca de si, e depois insere nas suas obras, pessoas como João da Ega, em Os Maias, e Fradique Mendes, é uma concepção pessoana ao contrário? Há uma personalidade, que é a de Eça, que vai aparecendo nas obras, mas que não se desmultiplica em pessoas diferentes?
Não creio. O máximo que poderia ser é uma apropriação dos escritores franceses do século XIX, como Zola ou Victor Hugo, que eram rivais e o primeiro era apoiado e defendido por Camilo Castelo Branco e Eça era próximo ideologicamente de Victor Hugo. A literatura portuguesa do século XIX é quase toda virada para França. Quem estudava, sabia Francês e muita gente foi visitar e viver temporadas em Paris. Aliás, vemos isso, na personagem Jacinto, de A Cidade e as Serras, que é o dono da casa senhorial que regressa a Portugal, com o amigo José Fernandes. É o primeiro "romance ecológico português", considerou Augusto Abelaira. Curiosamente, o legado literário de Eça foi muito maltratado. O filho ficou como principal responsável pelo seu espólio e chegou a cortar partes do trabalho do pai e reviu os livros dele. Eça completou O Mandarim, O Primo Basílio, O Crime do Padre Amaro e Os Maias. Outra parte do espólio foi entregue ao amigo Ramalho Ortigão, um dos "vencidos da vida" e membro da Geração de 70, que não fez muita coisa com a obra. Não se sabe por que razão houve essa inacção. Seria inveja? Seria outra coisa? Não sei. Os livros que referi são excelentes obras em qualquer lado, embora não se escreva da mesma forma hoje. Somos mais parcos de palavras. No século XIX, houve dois gigantes na literatura nacional: Camilo Castelo Branco e Eça. Há mais alguns escritores dignos de nota, mas, após estes dois, não se encontram grandes escritos.
O livro Círculo de Sombras, Carta Leiriense de Fradique Mendes marca o seu meio século de actividade literária. Publicou o seu primeiro texto há 52 anos. Onde foi que ele saiu?
Pensei que, após esses anos todos, deveria marcar a data. Tenho de agradecer à Alexandra Vieira e ao João Nazário, responsáveis pela Arquivo e pela editora Jorlis, a disponibilidade para publicar o meu livro. O meu primeiro escrito saiu no jornal República, um órgão anti-regime. Tinha uns 16 anos quando comecei a fazer crítica literária e de cinema, para ganhar alguns tostões. Após isso, colaborei muito tempo no República Juvenil, n’O Comércio do Funchal, no Notícias da Amadora, n’O Comércio do Porto, n’O Primeiro de Janeiro e n’O Século. Isto tudo antes dos meus 20 anos. O meu primeiro livro, que é de poesia e que não republico, nem mostro a ninguém, chama-se Tempo Lírico, de 1971. Tenho uns dois ou três, mas não gosto do que lá está. Também participei numa série de antologias. Uma delas foi a Antologia do Vietname, com poemas portugueses de autores comprometidos com aquele conflito, demonstrando grande solidariedade com os vietnamitas e contra os americanos.
Isso trouxe-lhe problemas?
A antologia foi publicada em 1968 e tinha participações de pessoas como o Manuel Alegre, o Vasco Graça Moura ou o Mário Cesariny. Após esse trabalho, surgiu outro sobre Hiroxima e ainda colaborei, por volta de 1973 ou 1974, na SEMA, uma revista fabulosa que só teve quatro números. Nesse período colaborei, ainda na Raiz&Utopia, dirigida por António José Saraiva, que foi meu professor em Amesterdão. É curioso que qualquer coisa que tivesse um toquezinho contra a ditadura, vendia-se logo. O senhor Martins, da Livraria Martins, de Leiria, e muitos outros que existiam por esse País fora, escondiam mais de metade das edições que lhes chegavam e vendiam-nas por baixo do balcão. Pelo meio, tive de exilar-me no estrangeiro, mas quando regressei, em 1974, voltei a colaborar no Diário de Lisboa e, a partir de 1976, publiquei em revistas para a emigração, como a Peregrinação.
Quando saiu de Portugal porque a PIDE-DGS andava de olho em si, para onde foi?
Saí para França, depois fui para a Alemanha, e acabei na Holanda, onde fui electricista. As coisas são como são. Precisamos de viver, de comer e de trabalho. Temos de ir à luta. Antes, tive outros empregos e cheguei a fazer limpezas num hospital. Não me caíram os parentes na lama. Foi um período interessante pelo qual preferia não ter passado... A pior recepção que
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