Opinião

Banalização

5 mar 2021 14:40

Ainda que persista o massacre mediático diário com os casos, os internados e os mortos com Covid, a esmagadora maioria das pessoas sente, agora, que é uma ameaça pouco grave.

Está agora em vigor, até ao dia 12 de Março de 2021, o Estado de Emergência. Um mecanismo que permite uma suspensão parcial dos direitos, liberdades e garantias estabelecidas na Constituição.

Trata-se da 12.ª renovação, em cerca de um ano. O que significa que os portugueses viveram com os seus direitos limitados durante 6 dos últimos 12 meses.

Repare-se que não nego a gravidade da pandemia que nos assola, nem nunca me verão a invocar o “direito de resistência” só porque quero ir jantar fora.

Interessa-me discutir o caráter excepcional do estado de emergência.

Um mecanismo que se destina a ser usado em “casos de agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública” (cf. parlamento.pt), tem sido usado para combater a pandemia.

E custa-me a definir algo como “excepcional” quando se verifica em mais de metade do ano.

Há, claramente, um problema jurídico que será importante resolver. Mas, para lá da questão jurídica, há o aspeto prático da banalização da emergência.

Ainda que persista o massacre mediático diário com os casos, os internados e os mortos com Covid, a esmagadora maioria das pessoas sente, agora, que é uma ameaça pouco grave.

Uma aparente demonstração dessa menor importância é o facto de cada vez mais pessoas saírem de casa.

De acordo com as projeções da consultora PSE (ver jornal I, 01-03-2021), no último sábado saíram de casa 3,3 milhões de pessoas, mais um milhão de pessoas do que na semana anterior.

Há uma clara tendência de diminuição do confinamento, à medida que os cidadãos se sentem menos assustados.

Dizem-nos o Governo e o Presidente da República que continuará o estado de emergência (excepcional!) pelo menos até à Páscoa. Portanto, mais um mês de suspensão de direitos e liberdades.

Será, certamente, importante para que o Serviço Nacional de Saúde recupere da situação crítica que viveu.

Será, ainda, importante para permitir manter o número de casos baixo até haver uma quantidade significativa de vacinas administradas.

Concordo e compreendo.

Mas, depois da débacle pós-natal, parece-me que os governantes deste país interiorizaram o provérbio “casa roubada, trancas à porta” e que se pudessem mantinham esta situação até o último português ser vacinado.

Ao longo deste mês, haverá cada vez mais gente a não compreender porque tem de ficar em casa quando são baixos os números dos contágios.

Cada vez mais gente a não seguir as regras. Cada vez mais gente na rua.

E, tal como em Janeiro foram os pais que decidiram não enviar os filhos à escola e só depois o Governo decretou o fecho das escolas, em Março vamos assistir a um desconfinamento gradual e só depois os nossos governantes o decretarão.

A banalização do estado de emergência leva a que ele se torne irrelevante.

A ação governativa dos responsáveis pelos destinos do país não se pode banalizar. É mais importante que nunca que sejam líderes e não seguidores, no discurso e na ação.

Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990