Opinião

Monstruosidades

15 mai 2020 22:43

Tirano Banderas é sempre imprescindível ler seja qual for o tempo em que vivemos, não só porque é uma pequena pérola da literatura mas uma leitura inteligente e sensível ao que o rodeia, social e politicamente.

Foi o Alberto Manguel no seu Monstros Fabulosos: Drácula, Alice, Super-Homem e outros amigos literários (Tinta da China, 2019) que me recordou Tirano Banderas: Novela de Terra Quente de Ramón Del Valle-Inclán que a Sistema Solar editou em 2019, com tradução de Aníbal Fernandes.

Eu tenho um da Teorema de 1990, numa tradução de Carlos da Veiga Ferreira que já li há muito tempo e folheei agora à propos. Valle-Inclán publicou Tirano Banderas em 1926 como alegoria de uma Espanha assustadoramente corrupta e despótica.

Esta história dos últimos dias de um ditador, senhor de um país inexistente algures na América do Sul, abriu caminho a outras narrativas de temática análoga pela mão, por exemplo, de Gabriel Garcia Marquez com o Outono do Patriarca ou de Miguel Angel Asturias com o Senhor Presidente, que teve uma edição nossa da Dom Quixote em 1974 e não sei se outra, infelizmente.

Tirano Banderas é sempre imprescindível ler seja qual for o tempo em que vivemos, não só porque é uma pequena pérola da literatura mas uma leitura inteligente e sensível ao que o rodeia, social e politicamente.

E não é possível, creio, ver desfilar aquelas personagens repugnantes, cruéis e desprezíveis e as sacanices e jogos inqualificáveis do tirano e dos seus servidores, sem pensar quão imperfeita é a máquina gerada pela democracia que nos governa.

Em última análise a mesma máquina burocrática que, entre muitas outras coisas, produz monstruosidades como a do alargamento do alcance dos apoio à perda de rendimentos dos trabalhadores a recibo verde que estão isentos ou dispensados de descontos para a Segurança Social por terem rendimentos muitíssimo baixos.

Tenho entre os artistas de rua e os artistas intermitentes muitos amigos nessa situação.

Porque não têm como pagar a renda da casa ou comer o governo “dá-lhes” agora, por um período máximo de três meses, 219€/mês, sendo que passam a pagar à Segurança Social um mínimo de 20€ mensais durante dois anos.

Se isto não é atraso mental é filha da putice, certamente.