Opinião

O campo e os termos de debate

31 jan 2020 14:16

A violência verbal trunca o caminho, tanto da crítica e do debate vivo, como da participação na construção do consenso.

A desvalorização da procura de convergências é provavelmente a primeira consequência da resignação.

Quando as sociedades se deixam capturar pela indiferença e os seus líderes substituem a esperança pelo cinismo, é na rampa do imobilismo que deram entrada.

Erguer trincheiras contra a inovação empurra frequentemente os sonhos de mudança para o silêncio amordaçado ou para a indignação descontrolada. Num caso, como noutro, quanta energia desperdiçada, quanta imaginação desbaratada! Se o conformismo social alimenta a burocracia, a erupção emocional pode originar o caos.

Ambos se colocam como obstáculos a qualquer transição, que exige não só desejo mas também capacidade de transformação institucional, como adverte Manuel Castells num texto recente (publicado em data imediatamente anterior à sua entrada no governo de Espanha).

Ao invés do que frequentemente se advoga, não vejo na procura do consenso um vício da democracia.

O conflito de posições é tão exigente quanto à clarificação de propósitos dos contendores, como quanto à admissão do diálogo na qualidade de método para lidar com a diversidade de actores e de objectivos.

As sociedades complexas, tendencialmente mais fragmentadas, têm que saber dar conteúdo ao desejo de ruptura, mesmo e sobretudo quando ele se exprime através de aspirações difusas.

Como já não há receituários garantidos, o método da aproximação através da procura de consensos entre distintas posições e da negociação entre diferentes projectos não parece dispensável nem dispor de equivalente mais eficaz.

Refiro-me evidentemente à conjugação de esforços entre protagonistas que não querem deixar tudo na mesma.

Não ignoro que há falsas propostas de mudança e que há quem nos queira distrair das questões fundamentais, enredar em contradições, em última análise, paralisar.

Não ignoro evidentemente que há adversários da inovação: não há, neste caso, campo onde a batalha pelo consenso se possa travar.

Outra das formas de inquinar a discussão consiste em desqualificar os termos da argumentação, substituir a fundamentação da divergência pelo sound byte simplificador, recorrer à provocação e ao insulto.

O espaço público, em especial o espaço mediático, é hoje frequentemente atravessado pela incivilidade.

A violência verbal trunca o caminho, tanto da crítica e do debate vivo, como da participação na construção do consenso.

Uma frase dita assassina, preparada para uma entrevista, pode proporcionar ao seu autor a gloríola local.

Gloríola passageira, que todavia priva aqueles - que talvez represente - de intervirem na edificação do futuro da sua cidade.

Enfim, há um tempo para exprimir a divergência, sugerir alternativas, confrontar possibilidades e trajectórias. Mas há um tempo para pôr de pé projectos, acumular recursos, definir as fronteiras e transmitir confiança aos actores da mudança.

É neste momento que estamos em processo de candidatura a 2027. Todos os contributos são preciosos para dar mais esperança à esperança.