Editorial

Os problemas não hibernam

12 jun 2020 14:50

O confinamento atrasou o que já deveria estar feito. O calor está aí, mas a mata está por limpar.

... e de repente surgiu o vírus, Covid-19 de seu nome. Começou devagar, lá longe, na China, mas rapidamente infectou o Mundo inteiro, alcançando o estatuto de pandemia.

Em cima dos muitos problemas com que a nossa civilização vinha a ser confrontada, entre guerras, pobreza, fome, aquecimento global, intempéries diversas, e desvarios políticos, temos agora um vírus que parece ter relegado tudo para um segundo plano e deixado a vida em suspenso.

O que era urgente parece ter deixado de o ser, o que tinha que ser feito ficou para amanhã, as decisões tomadas regressaram à gaveta.

O vírus, o tal que foi apelidado de ‘bonzinho’, além do caos que trouxe aos serviços de saúde e à economia, acabou também por servir à medida a incompetência de muitos responsáveis políticos e da administração pública, que lhe sacudiram para cima as responsabilidades pelo que tem ficado por fazer.

No entanto, como não é de crer que os tais outros problemas, os que já tínhamos em mãos, sejam compreensivos e hibernem enquanto a Covid-19 anda por cá a fazer estragos, é muito provável que as consequências do que se anda a ‘empurrar para a frente com a barriga’ traga graves dissabores.

Um exemplo elucidativo é a falta de limpeza das florestas, cujas medidas apertadas que o Governo introduziu após as tristes catástrofes de 2017 parecem estar adiadas.

O confinamento atrasou o que já deveria estar feito.

O calor está aí, mas a mata está por limpar.

Corre-se agora atrás do prejuízo e tenta-se recuperar o tempo perdido.

Até pode ser que nada de grave aconteça, mas a verdade é que o risco é grande, e todos temos bem na memória o quão devastador pode ser.

No norte do distrito, sobretudo, em Pedrógão Grande, onde 66 pessoas perderam a vida há três anos, tudo parece estar igual.

O ordenamento florestal é inexistente. Os eucaliptos regressaram e as espécies invasoras estão por todo o lado. Muitos terrenos continuam sem limpeza.

Alguns proprietários só aparecem ao fim-de-semana e outros são idosos e sem dinheiro para pagar a quem cumpra a legislação.

Quem lá vive teme por uma nova tragédia.

Não se percebe o que levará a tamanha incúria, já que os incêndios já deram provas de serem dramáticos, sendo mais do que razoável que as populações exijam a quem nos governa que cuide também dessa questão, mesmo que agora esteja mais distante dos holofotes.

Um país digno desse nome, além de garantir o dia-a-dia dos serviços públicos, tem que ter a capacidade de acudir aos diversos problemas que surgem.

Se mobiliza todos os recursos e atenções para tapar o buraco mais recente, alguém vai certamente cair nos outros que ficaram por fechar.