Viver
A casa de D. Maria Cândida
Estórias da nossa História por Ricardo Charters d'Azevedo
Se observarmos a planta de Leiria de 1816, que Tito Larcher mandou recopiar no início do século XIX (1902), e erradamente a datou como sendo em 1811, vemos que a única casa cujo proprietário civil é mencionado é uma que se encontra em face ao Paço do Bispo de Leiria (hoje o quartel da PSP de Leiria), no chamado Largo do Paço.
A planta de 1816 acima referida, que foi levantada pelo major Brandão de Sousa debaixo das ordens do coronel engenheiro Serra, menciona-a como pertencente a “D. Mª Cândida”. Consultando a Décima de 1811 (transcrita em “William Charters, um oficial inglês em Leiria no século XIX”, publicado em Leiria, pela Textiverso) encontramo-la como valendo trinta e oito mil centos de reis, tendo pago a décima de 7000 réis e cujo proprietário era Maria Cândida Pereira da Silva Barba Alardo.
Por outro lado, quem, por ordem de Tito Larcher, copiou em 1902 esta planta de 1816, dando-lhe a data de 1811, não colocou o nome daquele proprietário, preferindo mencionar proprietários de outras casas. Assim, a planta foi alterada, como já demonstramos, não tendo, por exemplo, sido colocada a referência à casa de Dona Maria Cândida, e introduzida a indicação de proprietários de outras casas. Poderemos tal compreender, pois, em 1902, o desenhador não conhecia a Dona Maria Cândida e conhecia outros os proprietários que resolveu inscrever!
Numa comunicação elaborada há uns anos, já referimos a incorreção de apresentar, em 1902, uma planta dizendo que era de 1811, mas alterando-a, introduzindo-lhe informações que eram de 1902! Mas vamos ao aspeto interessante desta questão: quem seria Dona Maria Cândida em 1816 para que dois oficiais engenheiros a mencionassem na planta?
Comecemos por lembrar que o desembargador José Diogo Mascarenhas Neto é o Superintendente Geral das Estradas, lugar criado para promover a abertura de Estradas Reais, nomeadamente a ligação de Lisboa ao Porto. Era a quem o Real Corpo de Engenheiros reportava e isso até 1799, data a partir da qual Mascarenhas Neto é nomeado Superintendente dos Correios.
Mascarenhas Neto casou-se com Maria Luísa Maraver Silva Athayde, da casa do Terreiro, em Leiria. Tiveram um filho e três filhas. Uma das filhas, Maria Luísa, casa-se com Joaquim Augusto Pereira da Silva da Fonseca, oficial do exército, precisamente filho de Maria Cândida Pereira da Silva Barbo Alardo e de seu marido Silvério da Silva Fonseca, senhor do Morgado dos Silvas, da Casa de Alcobaça e Alcaide-mor de Alfeizerão.
Um outro filho deles era o coronel João Pereira da Silva Fonseca. Maria Cândida era filha de João Pereira da Silva Barbo Alardo, Fidalgo da Casa Real, do Conselho de S. M., Governador e Capitão Geral de Moçambique, Cavaleiro da Ordem de Cristo e familiar do Santo Ofício, Vereador de Leiria em 1764, Bacharel em Cânones pela Universidade de Coimbra e Morgado de Caldelas, e de sua mulher Maria Inácia Gutierrez de Maraver e Silva.
Parece natural que os oficiais engenheiros, quando se deslocavam a Leiria para acompanhar o levantamento do traçado da estrada real no final do século XVIII e para fazer o levantamento da cidade de Leiria em 1816, conhecessem a casa, fossem visita, ou se alojassem em casa de D. Maria Cândida, que além de ter dois filhos seus camaradas de armas, era comadre do Dr. José Diogo Mascarenhas Neto que eles bem conheciam.
Assim se justifica que quando do levantamento da planta de Leiria, a casa de D. Maria Cândida fosse referida pelo major Manuel Joaquim Brandão de Sousa. Em 1902, já não fazia sentido, para Tito Larcher, colocar esta referência, pois a casa danificada em 1811 durante a retirada dos franceses foi vendida uns anos depois, talvez após o falecimento de Dona Maria Cândida.
Texto escrito de acordo com a nova ortografia