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O que a Ciência Diz sobre o Impacto do Espaço no Nosso Sono

13 ago 2025 14:48

O sono é um processo vital que influencia a saúde física, mental e cognitiva

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Na Terra, conhecemos bem os fatores que o alteram: luz, temperatura, ruído e hábitos diários.

No entanto, quando os seres humanos aventuram-se para além da atmosfera terrestre, o ambiente espacial impõe um conjunto de desafios únicos ao descanso.

A compreensão destes efeitos é essencial não só para assegurar a segurança e o desempenho dos astronautas, mas também para orientar futuras missões de longa duração, nomeadamente rumo a Marte.

1. Lições para o Sono na Terra

As descobertas espaciais sobre sono têm impacto direto em ambientes extremos ou desafiantes na Terra: submarinos, bases polares e plataformas petrolíferas.

A iluminação adaptativa LED, o design ergonómico de áreas de descanso e a monitorização actigráfica são já aplicados nestes contextos para melhorar a recuperação dos trabalhadores.

Além disso, o estudo da microgravidade mostra que um suporte de sono sólido e contornado, semelhante a um sommier estável, reduz dores e melhora a qualidade do repouso, lição que pode orientar novos designs de móveis de quarto no nosso dia a dia.

2. O Ambiente de Microgravidade

Em microgravidade, a falta de peso altera profundamente a fisiologia do corpo.

Na Terra, a gravidade orienta a posição corporal, promove a circulação de fluidos e mantém a coluna vertebral alongada durante o sono.

No Espaço, o corpo permanece livre de tensões mecânicas: não há compressão vertebral, o que, paradoxalmente, pode provocar desconforto.

Muitos astronautas relatam sensação de “flutuabilidade”, inviabilizando posições familiares de sono. Para resolver isto, são usados sacos de dormir fixos às paredes dos módulos habitacionais, criando uma simulação de firmeza e contorno corporal.

3. Dormir em Superfícies Adaptadas

Para minimizar as perturbações posturais, os tripulantes recorrem a superfícies especialmente desenhadas.

O colchão convencional é substituído por versões compactas e mais firmes, montadas sobre uma base rígida que se assemelha a um sommier terrestre.

Esta solução combina estrutura e conforto, permitindo manter a coluna alinhada e reduzir dores lombares, num contexto em que não existem estrados nem molas convencionais.

Além de conferir suporte, estas bases favorecem a circulação de ar, reduzindo pontos de pressão e potenciando um sono mais reparador.

4. Radiação Cósmica e Qualidade do Sono

A tripulação a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS) está sujeita a níveis superiores de radiação cósmica do que na superfície terrestre.

Estudos apontam que a exposição crónica a partículas de alta energia pode perturbar os padrões de sono, afetando a produção de melatonina e o ritmo circadiano.

A melatonina, hormona responsável pelo ciclo sono-vigília, tem níveis significativamente mais baixos em astronautas em missões prolongadas, o que contribui para insónias e fragmentação do sono.

Para compensar, algumas missões avaliam a administração controlada de suplementos melatoninérgicos, ajustando dosagens conforme as necessidades individuais.

5. Ruído, Vibrações e Interferências Acústicas

O interior da ISS não é silencioso.

Bombas de circulação de ar, sistemas de suporte de vida e equipamentos científicos geram um ruído de fundo constante, com níveis que podem variar entre 50 e 70 decibéis.

Para comparação, uma cidade calma regista cerca de 40 dB durante a noite.

Estas vibrações contínuas podem impedir a obtenção de cicatrizes de sono profundo (estágios 3 e 4), fundamentais para a recuperação neuromuscular e consolidação da memória.

Para atenuar o impacto, os astronautas utilizam tampões auriculares de alta eficácia e máscaras de olhos que bloqueiam luzes de controlo ainda visíveis.

6. Luz e Ritmo Circadiano

No Espaço, o ciclo natural de dia e noite desaparece: a ISS orbita a Terra a cada 90 minutos, gerando 16 nasceres e pores-do-sol diários.

Esta alternância rápida de luminosidade desorienta o relógio biológico interno. Para regular o ciclo circadiano, a NASA instalou luzes LED de espectro ajustável nos módulos habitacionais.

Em horas de “dia”, predomina o azul, estimulando o estado de alerta; durante a “noite”, a tonalidade muda para laranja, favorecendo a produção de melatonina.

Os astronautas seguem rigorosamente um cronograma de exposição luminosa, sincronizado com o horário de sono estabelecido antes do lançamento.

7. Monitorização do Sono

Os avançados equipamentos biomédicos a bordo permitem o registo contínuo de parâmetros como frequência cardíaca, variabilidade da frequência cardíaca (VFC), actigrafia (movimento) e enurese cutânea.

A actigrafia, por exemplo, utiliza sensores de movimento para estimar a quantidade e qualidade do sono, identificando despertares e períodos de sono ineficiente.

Estes dados são analisados por equipas de apoio em terra, que ajustam protocolos de descanso e sugerem eventuais intervenções – desde mudanças na programação de tarefas até terapias farmacológicas ou comportamentais.

8. Efeitos na Saúde Física e Mental

A privação de sono em ambiente espacial está associada a fadiga, diminuição da atenção, tempo de reação mais lento e elevado risco de erros operacionais.

Estas consequências podem comprometer missões críticas, especialmente em momentos de emergência. Adicionalmente, a falta de sono profundo prejudica a recuperação muscular e acelera a perda óssea, já acelerada pela microgravidade.

Psicologicamente, o isolamento e as condições de confinamento intensificam a vulnerabilidade ao stresse, ansiedade e alterações de humor, criando um ciclo negativo que afeta tanto a performance individual como a dinâmica de equipa.

9. Contramedidas e Boas Práticas

Para mitigar os efeitos adversos, as agências espaciais desenvolveram diversas estratégias:

  1. Higiene do Sono: Treino pré-missão para estabelecer rotinas rigorosas, higiene do sono e técnicas de relaxamento.

  2. Escalas de Trabalho Adaptadas: Redução de turnos noturnos e distribuição equilibrada das tarefas mais exigentes.

  3. Farmacoterapia Cautelosa: Uso limitado de hipnóticos e adaptógenos – sempre sob monitorização médica – para auxiliar no início do sono.

  4. Exercício Físico Programado: Sessões diárias de meia hora de resistência e cárdio, coordenadas com o horário de sono para promover a necessidade fisiológica de repouso.

  5. Ambiente Sonoro Controlado: Utilização de sistemas de cancelamento ativo de ruído e dessa forma criar “bolhas silenciosas” para facilitar transições ao sono.

10. Perspetivas para Futuras Missões

Com vista a viagens de longa duração – como missões a Marte, estimadas para dois a três anos –, torna-se imperativo aprofundar a investigação. Projetos em desenvolvimento incluem:

  • Simuladores de gravidade parcial: centrifugadoras para estudar sono sob gravidade lunar/marciana.

  • Tecnologias de biofeedback: colares inteligentes que alertam antes de lapsos de atenção, recomendando pausas de descanso.

  • Ambientes imersivos de realidade virtual: induzem relaxamento e redução de stress antes do sono.
    Estas inovações aliam-se ao objetivo de garantir que, mesmo a milhões de quilómetros de casa, o repouso permanece eficiente e seguro.

O ambiente espacial impõe desafios singulares ao sono humano, desde a microgravidade até à tão variável exposição luminosa. Graças à investigação científica e às contramedidas tecnológicas — como bases de descanso rígidas, iluminação adaptativa e sistemas de monitorização — os astronautas conseguem manter padrões de sono aceitáveis e reduzir riscos associados à privação.

As lições aprendidas não beneficiam apenas as missões espaciais, mas também as populações terrestres submetidas a condições extremas.

À medida que a exploração humana se expande para além da Terra, continuar a decifrar o sono no Espaço revela-se tão fundamental quanto dominar as rotas interplanetárias.