Opinião
Economia da Saúde versus Valor da Vida Humana
Quem, pelo infortúnio da vida, entra nas urgências de um hospital percebe que o desespero é partilhado por doentes e profissionais
Nos últimos 6 meses agudizou-se o encerramento de urgências básicas, serviços de cirurgia geral, pediatria, obstetrícia e ginecologia de hospitais centrais, por falta de recursos humanos. Milhares de cidadãos (como eu) não dispõem de médico de família. Logo, não existe a prática da medicina preventiva que reduz o risco de patologia e que melhora o seu prognóstico.
Faltam macas e cadeiras de rodas em diversos serviços de urgência, para além de meios de diagnóstico. Noticia-se que helicópteros e veículos de emergência médica do INEM estão inoperacionais por falta de manutenção. Mas mesmo quando funcionam, suportados pelo esforço e desgaste emocional e físico dos seus profissionais, chegados aos hospitais, encontram equipas igualmente esgotadas e sobrecarregadas, mal remuneradas, com trabalhadores com vínculos precários, num ambiente de insegurança para todos.
Porém, as autoridades governativas referem o maior orçamento jamais atribuído à saúde. Compreende-se o cenário? Estes episódios têm levado os portugueses a subscreverem seguros de saúde, com receio da ineficácia de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) que se intitulava “de referência” e tendencialmente gratuito, à luz do artº 64º, nº 2 a) da Constituição da República Portuguesa.
Quem, pelo infortúnio da vida, entra nas urgências de um hospital percebe que o desespero é partilhado por doentes e profissionais. Tudo isto já acontece com as autarquias a substituírem-se ao estado apoiando, financeiramente, a contratação e fixação de médicos para responder às necessidades das populações.
O Governo criou uma Direção Executiva do SNS para construir soluções e efetivar-se como o braço operativo do Ministério da Saúde. Mas, que melhoras identificamos? A debandada de profissionais de saúde para os hospitais e clínicas privadas e o descrédito da gestão hospitalar, fragilizam o SNS, recaindo nos doentes e nas horas que estes aguardam para serem atendidos, efetuarem exames de diagnóstico e receberem “alguma medicação”, pontual.
“Devolvem-se” as pessoas para os médicos de família e para os centros de saúde que não têm capacidade de atendimento em consultas. E depois aí estão as pessoas, às 4 da manhã, à porta destas unidades para obterem uma senha... Saúdam-se os profissionais de saúde que ainda vão mantendo as estruturas a funcionar, que se dedicam de corpo e alma, com custos familiares e da própria saúde, movidos pela paixão e pelo juramento de cuidar e zelar pelo próximo, segurando à vida quem mais precisa.
É esta a génese da economia da saúde que devia coincidir com o supremo valor da vida? Esta exposição, por mais negativa que pareça, mais não é do que o espelho do que muitos de nós temos presenciado e vivido. Até quando isto vai continuar assim?