Sociedade
Arguidos da burla 'olá pai, olá mãe' confessam em tribunal que desconheciam que estavam a cometer um crime
Dos sete arguidos apenas um não prestou declarações
Três arguidos do caso burlas “olá pai, olá mãe” disseram hoje no Tribunal de Leiria, que desconheciam que a compra e venda de cartões SIM se destinava a actos ilegais.
Sete homens e três sociedades começaram hoje a ser julgados. Aos três principais arguidos, um em prisão preventiva, estão imputados crimes de burla qualificada e de associação criminosa. Os restantes acusados e as respectivas três empresas respondem pelo crime de especulação.
"Eu fazia, mas não sabia que estava a cometer uma fraude", adiantou o principal arguido. Segundo explicou ao colectivo de juízes, o mesmo foi contactado por um amigo da escola, que o desafiou a adquirir cartões SIM e a introduzi-los "nuns aparelhos que ele enviou".
De acordo com o seu testemunho, o arguido recebia dinheiro para comprar os cartões. Depois colocava-os nos modems e introduzia o pin. "Não fazia mais nada. Nunca mandei nenhuma mensagem", sublinhou, ao referir que era o amigo, que tinha autorização para entrar no seu computador, que tratava do resto.
O arguido afirmou ainda que estranhou a quantidade de cartões que lhe eram pedidos, pelo que chegou a questionou um comerciante dos modens, que lhe disse que "não era nada ilegal".
Como não desconfiou que estivesse a cometer um crime, continuou a sua acção, que assentava em contactar outros dois arguidos, que compravam os cartões SIM em lojas, em Lisboa, mediante o pagamento de bitcoins ou dólares.
Os arguidos, com idades entre 22 e 67 anos, residem na Grande Lisboa e as burlas, tentadas e consumadas, atingem 109.235,60 euros e lesaram 41 pessoas, segundo o Ministério Público (MP).
Outros dois arguidos confirmaram que foram contactos através do Marketplace, onde tinham informação de que vendiam cartões SIM. Após contacto do detido para a aquisição dos referidos cartões, o mesmo contactava as lojas para fazer a reserva. Quando a mercadoria estava disponível, era outro arguido que a ia levantar.
Ambos assumiram ao colectivo de juízes que desconfiaram da requisição de tantos cartões e questionaram o principal suspeito para que fins os comprava. O detido respondeu-lhes que "era para fazer vídeos no youtube e nas redes sociais".
"Chegaram a ser 6 a 7 mil cartões", adquiridos, admitiu um dos arguidos, sublinhando que tem um emprego efectivo em Portugal e só vendia os cartões em part time. "Não tinha intenção de fazer algum mal. Não sabia que estes cartões eram usados para algo ilegal”, disse.
No despacho a que a agência Lusa teve acesso, o MP sustentou que os três principais arguidos fazem parte de um grupo de pessoas, devidamente organizadas, que “se dedicam à prática massiva de burlas”, designada de “olá pai, olá mãe” ou “falso familiar”, fazendo dela modo de vida” e “retirando dividendos, posteriormente divididos pelos elementos do grupo segundo a sua hierarquia”.
A estes três arguidos, na base do grupo, cabia a “disponibilização massiva de cartões SIM [de telemóvel], em ‘modens’, que se encontram configurados em aplicações acessíveis aos outros elementos do grupo através do servidor e que, posteriormente, providenciam a criação de contas na aplicação WhatsApp e a sua utilização junto de potenciais vítimas”.
Outros, por sua vez, “disponibilizam entidade/referências e contas bancárias para as vítimas fazerem os pagamentos” e, deste modo, “os valores pagos entram nos circuitos de inúmeros fluxos financeiros”.