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De Berlim para a Castanheira: “O meu ateliê sou eu”

20 jan 2021 17:32

Nuno Viegas, artista plástico, colaborador do Leirena e do JuncaTeatro

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"É o impulso, de desenhar, de criar, de viver na imaginação. Esse impulso é o essencial"
Ricardo Graça

Pintor, desenhador, cenógrafo, figurinista e actor, Nuno Viegas está acostumado aos palcos das maiores cidades. Logo no início da carreira, as primeiras exposições garantiram-lhe boas críticas, independência financeira e reputação, expôs regularmente na galeria Arte Periférica do Centro Cultural de Belém, está representado em diversas colecções públicas e privadas, viveu em Lisboa, depois em Berlim. Actualmente, reside na Castanheira, aldeia do concelho de Alcobaça.

A mudança para a Castanheira marca o regresso de Nuno Viegas à pintura após um breve intervalo. E também a reconquista de um espaço de trabalho. É lá, no ateliê pessoal, que se encontra a desenvolver uma nova série, influenciada pela mesma energia, mas visualmente diferente. Reconhece que o público o conheceu “como pintor figurativo”, autor de grandes formatos em que a figura está “muito presente” e “há uma narrativa”, por vezes, “como se o próprio quadro fosse uma entidade”. Ultimamente, no entanto, os resultados são “mais abstractos”.

Nuno Viegas chega a esta nova fase à boleia de um olhar sarcástico sobre a arte. “Tinha uma espécie de repulsa pela pintura abstracta”, que achava “um pouco disparatada” e até “inconsequente”. E, para quem tem no humor mais uma ferramenta de trabalho, seguir a estética significava gozar com a estética. O que fez. Até ao momento em que a criação domesticou o criador. A ironia mantém-se, a convicção é outra. Pode mesmo ser que “a verdadeira liberdade” se revele, afinal, na pintura abstracta.

Na obra de Nuno Viegas, nascido em Almeida, no distrito da Guarda, em 1977, reflecte-se, segundo o próprio, a procura do absurdo da condição humana. Situações limite, leituras dúbias, ligações inesperadas, que tecem mistérios. Como na tela em que um indivíduo despeja líquido no poço de onde saem duas mãos. Fica a dúvida sobre o que está prestes a acontecer. Salvamento? Afogamento? A circunstância que é dada ao observador representa uma tragédia ou um final feliz?

No concelho de Alcobaça desde 2016, Nuno Viegas encontrou o isolamento antes do confinamento. Longe de quase tudo e de quase todos. Imaginava uma estadia de quatro meses, mas, ao fim de cinco anos, está para ficar. Aprecia a qualidade de vida, a colaboração com as companhias de teatro JuncaTeatro (do Juncal) e Leirena (de Leiria), a distância, a vida no campo como quem nunca saiu da aldeia. Numa das últimas criações do Leirena Teatro, Sob a Terra, Nuno Viegas é responsável pela cenografia, que executa em tempo real, projectada numa estrutura e no corpo dos actores, com o auxílio de um tablet, uma caneta e um programa de desenho.

De Leiria, diz que falta “um sentido cosmopolita” e “uma visão actualizada da arte”, assinala que “é raro haver exposições que reflectem a arte contemporânea moderna ao nível global” e aponta a escassez de “acontecimentos artísticos”, numa cidade em que as pessoas não vivem a cultura” e as manifestações artísticas parecem “deslocadas do tecido social”.

Na rotina de Nuno Viegas, nos arredores de Alcobaça, iniciada a pretexto da recuperação do antigo edifício da discoteca O Moinho, por convite de um amigo, proprietário da marca Toino Abel, são longas as horas em silêncio, o que um pintor que se diz solitário, com traços de bicho-do-mato, sem atracção por inaugurações e pela vida social, suporta com facilidade. No ano passado, uma semana antes de a pandemia fechar o País pela primeira vez, instalouse na casa em que está agora, lugar onde os dias reforçam a noção que Lisboa e Berlim são um passado cada vez mais distante.

“Agora não tenho muita vontade de voltar”, admite. “Já estava um bocado cansado, a vida da cidade para mim já se tinha esgotado de certa maneira”. São as bases do que explica a seguir, a ideia, se calhar romântica, ele o reconhece, de que a origem não está no exterior. “Preciso de alimentar a imaginação, de saber o que se passa no mundo. Se eu estivesse fechado numa gruta, se calhar saíam coisas, mas se calhar coisas incomunicáveis, que seria difícil depois partilhar com a sociedade”, começa por argumentar. “Não renegando que é preciso viver no mundo real para fazer arte, o lado mais forte é uma coisa que sempre existiu na minha vida, desde que me lembro de ser pessoa. É o impulso, de desenhar, de criar, de viver na imaginação. Esse impulso é o essencial. O meu ateliê sou eu”.

Perfil
 
A colaboração com o Leirena e com o JuncaTeatro são uma parte importante do trabalho e da vida social do artista plástico nascido em 1977 em Almeida, no distrito da Guarda, que já viveu em Lisboa e em Berlim e actualmente reside em Castanheira, no concelho de Alcobaça. “Mais desenhador do que pintor”, porque vê a pintura mais próxima da ilusão e o desenho mais próximo da construção, Nuno Viegas frequentou o curso de Artes Plásticas-Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, de 2001 a 2015 expôs regularmente na Galeria Arte Periférica em Lisboa, em 2005 ilustrou os números 163 a 169 da revista Colóquio Letras da Fundação Calouste Gulbenkian e entre Março de 2013 e Março de 2015 viveu e trabalhou em Berlim num ateliê integrado na BBK (Berufsverband Bildender Künstler Berlin). Recentemente, foi responsável pela parte de animação do documentário Gumbel - Extreme Values, estreado em Novembro de 2019 na ARD (televisão alemã), um filme realizado por David Ruf. Está representado em várias colecções públicas e particulares, em Portugal e no estrangeiro, como o Mace-Museu de Arte Contemporãnea de Elvas ou a Graphotek Berlin.