Viver

Jardim da Almuinha com linha vermelha entre o paraíso e a cidade de Leiria

22 out 2022 14:23

Visitas orientadas no âmbito da exposição Jorge Estrela - Esboço de uma biografia

jardim-da-almuinha-com-linha-vermelha-entre-o-paraiso-e-a-cidade-de-leiria
A chuva não afastou os interessados em conhecer melhor a história do Jardim da Almuinha
Ricardo Graça

A chuva não impediu a visita orientada ao 'paraíso' de Leiria, o Jardim da Almuinha, que começou por ser idealizado pelo arquitecto Jorge Estrela, já falecido, e foi terminado pelos arquitectos paisagistas Rui Ribeiro e João Marques da Cruz.

Organizada no âmbito dos serviços educativos do Museu de Leiria e do Centro de Interpretação Ambiental de Leiria, tendo como base a exposição Jorge Estrela - Esboço de uma biografia, a iniciativa de hoje, que começou na Ludodeca e terminou com uma visita ao Jardim da Almuinha, permitiu conhecer um pouco mais do espaço verde da cidade, cujo conceito poucos entendem por puro desconhecimento.

João Marques Cruz, acompanhado por Rui Ribeiro, explicou todo o enquadramento do espaço verde, que começou por ser idealizado por Jorge Estrela inspirado no poeta Francisco Rodrigues Lobo, com base na paisagem da região, onde os rios e a serra não ficaram e fora.

Esta foi a primeira de seis visitas orientadas (três para o público em geral e três para as escolas), que são a extensão da exposição que está patente no Museu de Leiria. 

"A exposição tem uma continuidade no Centro de Interpretação Ambiental, porque Jorge Estrela estudava a paisagem que está pode detrás deste jardim, interessava-se pela flora, em Rodrigues Lobo ou por cogumelos", explica Vânia Carvalho, coordenadora do Museu de Leiria.

O programa que está relacionado com questões de educação ambiental e que irá decorrer ao longo das próximas semanas inclui as visitas ao jardim, a vinhas ou provas de degustação de cogumelos. "Também estamos a olhar para a cidade com a curiosidade que o Jorge Estrela tinha, com a capacidade de ver para além do óbvio", sublinha Vânia Carvalho.

Explicando um pouco o início da idealização do projecto para o Jardim da Almuninha que surge, pela primeira vez, em 1992, João Marques da Cruz adianta que o objectivo era "conseguir representar esta paisagem de Leiria segundo o conceito do Jorge Estrela".

"Havia uma zona de intervenção, era uma zona de várzea, inclusive zona de leito de cheia. Depois o rio foi intervencionado e já se evitam as cheias. Todo este terreno fértil que existia às portas da cidade foi pavimentado com brita para se fazer parque de estacionamento e estruturas que a cidade precisava", conta.

Segundo o arquitecto, "a cidade, que tinha uma relação directa com o rio, no final do seculo XX, tinha uma relação completamente distante e abstracta com o rio".

"Havia uma ideia de que um jardim é uma reprodução, um cenário do paraíso terrestre e é uma ideia de fronteira, onde dentro dele as regras não são as da realidade. É a ideia do jardim dentro da cidade reproduzir essa tal paisagem paradisiaca, com funções ecológicas e sociais, mas com uma linha vermelha", acrescenta João Marques da Cruz.

A preocupação é que o jardim resista à pressão do urbanismo e que se impeça de colocar equipamentos dentro do espaço, como máquinas de ginástica, um quiosque ou equipamentos desportivos.

"Para tentar absorver essa pressão urbana foi criado à volta do jardim um passeio público, que pode levar todo o tipo de equipamento. A escadaria traz a cidade até ao rio e o muro em redor divide a realidade do paraíso", explica.

Para reproduzir a ideia da Serra d'Aire foram necessários 1500 camiões de terra, que" trouxeram volume de terra suficente para sobrelevar uma topografia dentro do jardim. Foram ainda colocadas pedras de calcário e vegetação da serra, para "caracterizar mais a zona" e oferecer o cenário desejado.

"É evidente que há muita ficção aqui, mas conseguimos reproduzir o ambiente da serra. Foi ainda criada uma cascata para reproduzir uma parte da água da serra e Rodrigues Lobo descreve isto. Dentro do lago criou-se uma ilha que não é acessivel ao público. Retrata a natureza no seu estado mais selvagem possível", afirma.

João Marques da Cruz alerta que o "jardim é uma coisa viva, que precisa de muita manutenção, e é preciso saber muito bem o que se está a fazer".

O arquitecto desafia ainda a uma manutenção cuidada para preservar o espaço. "Este jardim equivale a dois buracos de um campo de golfe. Existem cerca de 80 campos de golfe em Portugal, cada um tem 18 buracos. São espaços privados, muitíssimos bem mantidos. Como cidade, como comunidade, num concelho com 120 mil pessoas, não conseguimos fazer a manutenção de dois buracos de campos de golfe para a cidade puder usar em bom estado?"

"Este era o jardim do Jardim Estrela"
 
"Um jardim nunca está pronto. Precisa de muita jardinagem e é uma coisa que se vai construindo. Faltam muitos arbustos, falta alguma complexidade e a melhoria dos solos. Mas não tenho dúvidas que este era o jardim que o Jorge Estrela gostaria de ver construído", assume João Marques da Cruz.
Também Rui Ribeiro avança que o "jardim é uma coisa que precisa de muitos anos para se começar a perceber a sua estrutura e agora é que começa a aparecer".
"Conforme for aparecendo as pessoas vão exigindo que ele seja cuidado. mas são precisos mais uns 10 anos, para as árvores crescerem. Há algumas zonas onde já se começa a perceber a ideia de jardim, onde as árvores estão mais crescidas", acrescenta.

Veja Também