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Palavra de Honra | “Hoje em dia, se o empregado deixar cair uma bandeja, as pessoas começam a dançar na mesma”

30 mar 2024 10:00

Rui Venâncio, músico

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Já não há paciência... para aturar músicos a tocar por 25 euros, organeiros, que tiram que fazer aos músicos que são mesmo músicos, que têm carteira profissional. Não há pachorra.

Detesto... uma pessoa fingir aquilo que não é, uma pessoa estar a falar de A, B ou C e nem os conhece. E detesto, acima de tudo, uma pessoa não ser coerente com ela própria.

A ideia... é a pessoa ser honesta com ela própria. Se for, as coisas funcionam.

Questiono-me se... já não tenho muito tempo como músico. Hoje em dia, se o empregado deixar cair uma bandeja, as pessoas começam a dançar na mesma.

Adoro... falar. Adoro estar com gente. Adoro confraternizar. Adoro trocar ideias. Adoro ensinar: fui professor de teatro durante 16 anos.

Lembro-me tantas vezes... de quando se tocava em colectividades. Na Marinha Grande, em Leiria... toquei muitas vezes no Grémio. Faziam-se bailes bons. Era um ambiente diferente. Hoje, é um ambiente mais fechado. As pessoas parece que estão sempre desconfiadas.

Desejo secretamente... tocar, ainda, numa banda a sério, porque sinto que tenho, com 74 anos, e modéstia à parte, força e qualidade.

Tenho saudades de... do tempo de juventude, quando se perdiam noites e noites a ensaiar. Não é ser profissional, é ser competente. Não enganar as pessoas. Dar-lhes aquilo que elas querem.

O medo que tive... quando tive um enfarte. Fumava muito, três a quatro maços por dia. Tenho uma filha com 13 anos, e tenho um com 46 e outro com 36, e esse enfarte fez-me pensar duas vezes. De um momento para o outro deixei de fumar.

Sinto vergonha alheia... de as pessoas não ligarem nenhuma aos músicos. Não valorizam. Não encaram como uma profissão.

O futuro... está um bocado negro. Não é que eu tenha medo do futuro, acho é que, para estas gerações vindouras, a parte musical vai ser muito complicada. Os músicos querem e as pessoas não ligam. As casas querem ganhar muito sem pagar aos músicos. E os músicos têm de viver, têm de pagar as suas coisas, têm os seus encargos.

Se eu encontrar... uma casa como deve ser, se eu encontrar um grupo de músicos que queira fazer uma coisa diferente, eu próprio ajudo, e se for preciso, toco também.

Prometo... cumprir aquilo que estou a dizer. E prometo ser contra os músicos que não têm formação musical e que andam por aí em palco, a estragar cachês.

Tenho orgulho... de ser o que sou, de ter muitos amigos, de tocar com grandes músicos, de ter acompanhado Paulo de Carvalho, Júlio Pereira, Tonicha, Fernando Tordo, muitos músicos.