Opinião

As Festas em Leiria e o TGV

7 out 2024 21:30

Como é que uma cidade pode ser amiga do ambiente se promove um evento massificado de carros (inclusive um rally) no coração da sua malha urbana?

Leiria está permanentemente em festa. É como se a cidade fosse o ambiente de euforia festiva do romance americano O Grande Gatsby.

É certo que a convivência social, a sociabilidade, funciona como um ansiolítico natural e isso alegra a população. Mas os eventos promovidos e acolhidos pela Câmara de Leiria (CML) já representam uma clara inadequação entre o evento em si, a sua dimensão de público e os vários distúrbios causados.

O conjunto dos eventos realizados não tem uma orientação integradora. São eventos avulsos de entretenimento geral (corridas de rua, espectáculos musicais diversos, feiras múltiplas) e desprovidos de uma visão estratégica de promoção da Cultura.

O objectivo da CML é fazer de Leiria um território de atracção turística. Mas turismo de quê? O turismo de um ou dois dias e o turismo que movimenta apenas a bifana, a cerveja e alguma hotelaria. O turismo que posiciona Leiria no sentido contrário do que possa ser uma Smart City.

Como é que uma cidade pode ser amiga do ambiente se promove um evento massificado de carros (inclusive um rally) no coração da sua malha urbana?

A acção política para tornar Leiria um território de atractividade não se coaduna nem com uma visão de Smart City, nem com a futura linha de alta velocidade (LAV).

A LAV representa uma redução do espaço/tempo e é promotora de economias de localização, tais como o chamado efeito densidade (ED). A LAV traz novas dinâmicas territoriais como, por exemplo, atraccão de mão-de-obra, novos investimentos (empresariais e residenciais) e ganhos de produtividade que advêm do efeito conjunto da interacção entre o trabalho qualificado e o capital, gerando, assim, spillover de conhecimento e prosperidade.

Mas a LAV também traz riscos para os territórios. O risco do movimento pendular.

A LAV colocará Leiria a apenas 40 minutos de Lisboa e 50 do Porto. Do mesmo modo que será mais fácil e mais rápido chegar a Leiria, também será mais fácil sair.

Leiria, tal como Santarém ou mesmo Caldas da Rainha, poderá ficar esvaziada, tornando-se uma cidade dormitório de Lisboa. O poder político tem uma visão simplista e unidireccional sobre a LAV.

A CML, na pessoa do senhor seu presidente, pensa que a LAV só trará efeitos positivos para o concelho. Esquece-se de que se o território não for suficientemente atractivo, as pessoas, o emprego e as empresas em vez de ficarem, saem.

E qual é a estratégia de atractividade que Leiria tem apresentado?

Os eventos de rua, o turismo de um ou dois dias, a economia das sandes, bifanas, cachorros e cervejas, o ruído, a sujidade, o uso disfuncional do espaço público, o aumento das emissões de CO2, os licenciamentos dos imóveis de luxo, sem resolver o problema da habitação.

Leiria está a acentuar as suas disfuncionalidades urbanas, está alegremente iludida com as suas festas de rua, está em contraciclo com o que deve ser uma cidade moderna e corre o sério risco de ser a maior vítima da LAV.